M. Paulo Nunes
Quando comecei a
lecionar Português e Literatura Portuguesa, no Liceu e na Faculdade de
Filosofia, fiz com o maior encantamento as primeiras leituras dos poetas
provençais ou da chamada poesia trovadoresca, que foi a rigor a primeira
manifestação literária de Portugal e era um tipo de poesia que nascia
praticamente com o Reino ou com a Nação, se assim o quiserem, para dar forma
mais extensiva a este conceito.
Encantei-me assim
com a simplicidade das cantigas de amor e das cantigas de amigo, quando amantes
e amadas, em formas singelas e breves, comunicam seus transportes amorosos.
Igualmente, nas barcarolas, nas cantigas de romaria e noutras formas de
manifestação daquele lirismo o sentimento amoroso se estende à paisagem,
tornando-a igualmente partícipe daquelas manifestações sentimentais. Isto
marcaria fundamente à minha concepção do universo poético.
Foi este mesmo
sentimento que encontrei depois, com a ampliação das leituras dos grandes
poetas da língua, como Camões, Bocage, Garrett, Gonçalves Dias (veja-se a
simplicidade da “Canção do Exílio”), Drummond, Bandeira, Vinicius de Moraes,
João Cabral de Melo Neto.
É este sentimento
pelas coisas simples ou pelos temas do cotidiano que encontro na poesia de José
do Rego Lobão, que reuniu no livro Atalhos toda a emoção e toda a
sensibilidade do seu universo poético, inclusive pela recorrência às formas
tradicionais do verso, como a redondilha (maior e menor) que vem de lá, do
lirismo provençal, até o soneto, a balada, a canção, formas também vetustas de
expressão poética, para igualmente expressar sentimentos embrionários, como o
da morte do pai, os recantos mais ricos de emoção da terra natal, a alma
simples de um perpétuo enamorado da vida.
O sensível
despojamento de sua forma poética nos leva a uma reflexão do velho Eça nas Cartas
Inéditas de Fradique Mendes “...Só os termos simples usuais, banais,
correspondendo às cousas ao sentimento, à modalidade simples não envelhecem
(...) O homem, mentalmente, pensa em resumo e com simplicidade, nos termos mais
banais e usuais. Termos complicados são já um esforço de literatura – e quanto
menos literatura se puser numa obra de arte, mais ela durará, por isso mesmo
que a linguagem literária envelhece e só a humana perdura.”
Esta a alta lição
que nos dá o sentimento poético que nos transmite José Lobão, neste seu livro
de estréia, que esperamos se multiplique em novas produções para alegria e
deleite dos seus leitores.
A obra contém ainda
uma parte em prosa, constante de dois discursos: um de posse, como deputado à
nossa Assembléia Legislativa, onde realizaria carreira brilhante, e outro,
proferido na Academia Piauiense de Letras, associando-se, em nome de sua
família, às manifestações acadêmica na homenagem ao excelso poeta Martins Napoleão,
pelo centenário de seu nascimento, em março de 2003. Também a ela se integra
uma narrativa sobre uma lenda colhida em seus pagos, “A lenda da mulher nua”,
com a urdidura perfeita e o pleno domínio do assunto, que é dos mais
fascinantes.