M. Paulo
Nunes
O “boom” editorial que ocupou a literatura de ficção nos países de
língua espanhola de nossa América, a do sul, vindo a constituir uma nova
história do romance, geralmente conhecido pelo rótulo de “realismo mágico”,
demarca um momento solar dessa literatura, no século passado.Nele se englobam
autores às vezes díspares, e tem início com El Señor Presidente
do guatemalteco Miguel Angel Astúrias. Dele fazem parte autores hoje
considerados ícones dessa literatura, como Gabriel Garcia Marques com seus dois
monumentos hoje clássicos, Cem Anos de Solidão e O Amor nos Tempos do
Cólera; Mário Vargas Llosa, sobre quem tenho escrito largamente por motivo
de conhecer-lhe toda a obra, da qual de destaca Conversación em la Catedral;
Júlio Cortazar, com Os Prêmios e O
jogo da Amarelina e, “last but not least”, Jorge Luís Borges com as
suas admiráveis histórias de Ficciones, El Aleph e Dossiê Odessa
e sobre quem igualmente tenho escrito alguns breves ensaios em nossa imprensa.
Há pouco, no caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo (08.07.06),
deparo-me com uma surpreendente entrevista de um novo romancista colombiano,
Santiago Gamboa, a propósito do lançamento de seu novo livro, A Síndrome de
Ulisses, recentemente editado em nosso país pela Editora Planeta e que
ainda não conheço.
Josué Montello, cujo desaparecimento recente muito me sensibilizou, costumava dizer em sua prosa diarística, que
venho relendo com o maior interesse, pois pretendo publicar, sobre ele um
estudo de maior densidade, que muito pouco o seduziam as novas experiências
literárias, preferindo o retorno freqüente aos seus velhos clássicos. Esta
volta aos clássicos constitui um bom exercício literário e sempre adoto, na
medida do possível, principalmente quando temos esses clássicos, como Camões,
Machado de Assis ou Eça de Queiroz, entranhados na alma, mas admitia também o
celebrado autor de Os Tambores de São Luis, não podermos, vez por outro,
deixar de dar uma visada nos autores que estejam criando novas formas de
expressão na novelística contemporânea. O autor se considera um emigrante pelo
fato de viver longe da pátria, morando em Paris, e emigrantes são também seus
personagens. Cursou ele literatura, ao deixar Bogotá, na Universidade de Madri
e depois foi para a França com o mesmo propósito de estudar especialmente a
literatura sul-americano, ou seja, a dos países hispânicas.
A entrevista citada contém tópicos
interessantes porque se relaciona com o cerne da criação literária, como
pessoalmente a entendemos.
A uma pergunta do entrevistador se há muito de autobiográfico naquele
livro, retruca ele ter usado “alguns episódios e experiências” da sua vida,
“mas quando se entra no território do romance, tudo vira fictício.” E
acrescenta:”O literário é o reino daquilo que poderia ter sido e esse reino
está longe da vida real.”
A uma outra indagação sobre autores e livros mencionados naquela obra,
responde que “Uma das funções da literatura é dar notícia de outros mundos,
sejam estes geográficos, culturais ou especificamente literários. “A
literatura, conclui, é uma leitura possível da vida e eu gosto dos livros que
levam a outros livros e que, por sua vez, nos unem a uma corrente ainda maior
porque qualquer livro que aspira a ser uma obra de arte está necessariamente em
diálogo com outros.” (Op.cit., p. E-3)
Como não é outra senão esta a função do romance como expressão maior
e diríamos homérica, ou seja, épica, da
vida contemporânea, nada melhor para caracteriza-lo, sem esquecermos, é claro
aquela definição de Nabuco, em Minha Formação, de que “O romance é a
imaginação abrangendo e modelando a vida”.
Não há assim como fugir a esse objetivo maior, sejam quais foram as
técnicas de sua construção literária, quer se trate da narrativa tradicional ou
do “nouveau roman”. Acho que em estudos anteriores já delineamos essa função,
ao estudarmos a teoria do romance.
Vamos assim ler este autor, um “jovem de 40 anos (o “jovem” fica por
conta de quem tem já o dobro de sua idade) e na palavra do entrevistador,
integra uma geração de novos escritores do continente que, embora com divisões
internas se opõem ao chamado “realismo mágico” de que acima falamos. Nada mais
sedutor para o crítico,embora amador,como no nosso caso, do que uma nova
descoberta literária, a esta altura da vida