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UM LIVRO ANTECIPADOR
20/01/2011 00:10:39


M. Paulo Nunes

 Os saraus literários na Academia, em que se transformaram as manhãs de sábado, uma sorte de réplica do chá das quintas-feiras de nossa Academia maior, a Brasileira, têm suscitado inúmeras discussões, não apenas literárias, mas também de idéias, que às vezes extrapolam para outros locais, ou se tornam matéria de nossa imprensa para aqueles que escrevem habitualmente nos jornais da capital.

Uma dessas discussões de que participei diz respeito à afirmação que ali fiz, ponto de vista este que continuou mantendo, de ter sido Manuel Antônio de Almeida o criador do romance brasileiro, em razão da publicação, de seu único romance Memórias de um Sargento de Milícias, uma espécie de romance realista “avant la lettre”, em nossa literatura. Esta publicação foi feita inicialmente através do folhetim do Correio Mercantil do Rio de Janeiro, entre 1851-1852, e depois impressa em dois volumes, um em 1853 e outro, em 1854, sob a assinatura de “um brasileiro”.

A afirmação contrária postula em favor de Joaquim Manuel de Macedo, autor de A Moreninha, publicado em 1844, seguido de outros romances seus, tido à época como importantes, mas de pouca significação hoje em dia para nossa romancística, a julgarmos pela contribuição que lhe possam ter trazido.

Além do mais, a julgar pelos parâmetros de nossa história literária, A Moreninha, não pode ser considerada ainda um romance, mas em verdade uma crônica romanesca, sequer do Rio de Janeiro, mas da ilha de Paquetá, com as suas “intrigas em torno de sinhazinhas casadoiras dos sobrados, dos desníveis de situação econômica, de questão de herança e de família”. Enquanto o outro, o livro admirável de Manuel Antônio, ou Maneco, como era conhecido, talvez tenha cometido, àquele tempo, “a imprudência de voltar-se para a gente anônima das ruas, das zonas pobres da cidade, para a patuléia: gente, que nem sequer tinha nome completo, era a ‘comadre’, o ‘compadre’, a parteira – Luizinha, Leonardo Pataca, a Maria-da-Hortaliça, Vidinha, Maria Regatada, José Manoel, o mestre de rezas, sacristãos, padres de vida suspeita, malandros, tocadores de vida – maior parte vivendo não se sabe de que, de biscates, de arranjos, de sobras das mesas bem providas”, como acentua o prefaciador da edição de 1957, (Coleção L & PM Pocket, de Porto Alegre).

Temos aí assim esse livro marcante que lembra, em alguns aspectos, um outro grande romancista colocado um tanto à margem nas histórias da literatura brasileira, Lima Barreto. Em alguns aspectos foi ele um antecipador de Machado de Assis, como já se apontou, não apenas na concepção de seus personagens, com a figura do”Agregado”, que constitui um capítulo neste romance e no Dom Casmurro, daquele romancista, como também na criação de personagens femininos.

Veja-se nesse romance a figura de Luizinha que sem possuir os “olhos de ressaca” da insuperável criação machadeana, traz-nos à lembrança o retrato de Capitu, namoradeira e dissimulada. Ou, como diria o romancista, Marques Rebelo: “Sem ter os olhos de ressaca, movediça e leve, era uma formidável namoradeira essa irmã mais velha de Capitu.”

Destaque-se nesse admirável romance antecipador a figura do implacável major Vidigal, delegado de polícia da capital, o tipo mais popular daquele tempo, o “tempo do rei”, como o narrador evoca a época de D. João VI. Dela foi este autor o admirável painelista, com a diferença de que, ao invés de retratar a nobreza reinol, que expulsa de Portugal pelos exércitos de Junote, aqui aportou com seus privilégios, fixou ao contrário, os quadros da vida tumultuosa, varia e difícil da “arraia miúda”. É assim o primeiro romance a antecipar a presença do povo em nossa literatura, como o faria, a partir da década de 30, o romance de documentação social da vida brasileira de que temos falado nessas notas, com o retrato do outro Brasil.

Há que destacar ainda em Manuel Antônio o estilo saboroso e a técnica narrativa ou novelesca que tanto o aproximam do mestre das Memórias Póstumas de Brás Cubas, seja pelo estilo direto com que se aproxima do leitor como se com ele estivesse conversando, seja pelo apuro formal e o sabor popular,ou ainda na antecipação pelo que seria uma das vertentes da nossa literatura, a do romance citadino.

Trata-se, assim, de um precursor e de uma das figuras marcantes da literatura brasileira, em seus primórdios. Com ele são definidos o caráter e o perfil definitivo do romance brasileiro que se afirmaria com Alencar e acima de tudo, com Machado de Assis, a partir de suas obras fundamentais da segunda fase – Memórias Póstumas de Brás Cubas. Nunca é demais evocar-lhe assim a grandeza impecável e a função renovadora.       




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