M.
Paulo Nunes
Neste
meu carnaval sem nenhuma alegria, como diria o poeta Manuel Bandeira, em poema
célebre, já da fase modernista, tive oportunidade de retomar antigas leituras,
com bastante vagar e despreocupação, hospedado que estava em um resort defronte
ao mar, o Hotel Islamar, hoje de propriedade do português José Gil, o primeiro
hoteleiro que encontrei preocupado com literatura.
De
sua estante de clássicos portugueses, alguns deles já meus conhecidos das aulas
de literatura ministradas no Liceu e na Faculdade de Filosofia, chamou-me a
atenção o clássico de Afonso Lopes Vieira – A
Paixão de D. Pedro, o Cru, cujo autor só conhecia de nome, na vasta
bibliografia sobre esse tema recorrente na literatura portuguesa - os amores infelizes
do Infante D. Pedro e Inês de Castro.
O
tema se constitui em verdadeira
saga naquela literatura.Começa com as Trovas à Morte de Inês de Castro, de
Garcia de Rezende, contidas no Cancioneiro
Geral por ele organizado, o repositório da poesia palaciana, que sucede a
escola trovadoresca. Escrito em redondilha maior, o verso setissílabo, inicia
aí sua carreira triunfal naquela literatura: Camões o imortalizaria no belo
episódio de Inês de Castro, no canto III d’Os
Lusíadas. Ainda no século XVI, António Ferreira o retoma na tragédia Castro, uma das mais belas da literatura universal (não me canso de
relê-la sempre) e uma das mais originais, porquanto antecede de um século a
tragédia amorosa francesa que culmina em Racine. Sua originalidade decorre ainda
do fato de ter sido ela escrita em decassílabos
brancos e haver utilizado um tema da história nacional e não mais um dos
mitos da antiguidade clássica como então se fazia. D. Francisco Manuel de Melo,
o emérito prosador seiscentista, autor das Epanáforas
de Vária História, igualmente nele compõe uma tragédia em 5 atos e cuja
ação decorre toda ela na “Quinta das Lágrimas”, em Coimbra. Finalmente, a
romancista e historiadora do Marquês de Pombal , Agustina Bessa-Luís o retoma
com a sua narrativa Advinhas de Pedro e
Inês, já nos nossos dias.
Reconstituamos,
mais uma vez, ainda que brevemente, o tocante episódio.
Dificilmente
terá existido episódio mais dramático e doloroso do que o ocorrido em 7 de
janeiro de 1355, nos paços de Coimbra. Nenhum talvez tenha inspirado mais
tragédias ou narrativas dramáticas na literatura portuguesa.
Tendo
vindo da Espanha, ou seja, de Castela, como dama de companhia de D. Constança,
noiva do Infante D. Pedro, Inês de Castro se distinguiria por sua
extraordinária beleza.
Vivamente
apaixonado pela jovem donzela de D.
Constança e pondo seu amor acima das tradições do trono, que assumiria com a
morte de seu pai, D. Afonso IV, e das razões de Estado, consta tê-la D. Pedro
secretamente desposado, com a morte de D. Constança, ocorrida em 1345, com ela
vivendo por 9 anos, em companhia dos filhos já havidos daquela união.
Tudo
leva a crer que fosse legalmente a esposa de
D. Pedro, quando foi cruelmente apunhalada, por ordem e sob as vistas de
seu pai, D. Afonso IV.
Este
o fato histórico dentro de cuja moldura se
desenrola o drama de amor e morte que constitui o mais belo episódio d’Os Lusíadas e serve de inspiração a uma
das mais belas tragédias portuguesas, A
Castro ou a Tragédia mui Sentida e Elegante de Dona Inês de Castro,como já foi
dito.
Voltaremos
ao assunto para comentar a obra de Afonso Lopes Vieira a que antes fizemos
referência.