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MARITAIN
20/01/2011 00:10:33


M. Paulo Nunes

 Os jornais de 29 de abril passado noticiaram a morte, na comunidade dos irmãos de Foucauld, em Toulouse, na França, aos 91 anos de idade,do filósofo Jacques Maritain.

Para as novas gerações, mais preocupadas com o fato político, elevado ao primeiro plano das angustiantes inquietações dos trágicos dias que vivemos ou mergulhadas no utilitarismo desta civilização tecnocrática, sem nenhum respeito pela essencial dignidade do ser humano, o nome do célebre filósofo de Meudon talvez pouco signifique.

Para minha geração, entretanto, aquela que emergiu para a vida pública após a hecatombe da Segunda Guerra Mundial, a figura de Maritain muito tem a dizer.

Não é ele apenas o líder espiritual, o criador do neotomismo, que em sua obra ganha dimensões novas, a partir dos ensaios Reflexions sur l’Inteligence e Degrés du Savoir, obras em que desenvolve uma metafísica cristã fundada no realismo crítico, até os de sua última atividade filosofante, em que induz à participação do homem no contexto social e revela um senso profundo das realidades da história, fase a que pertencem Religion et Culture e o famoso Humanismo Integral, de tão larga repercussão no Brasil

Não é somente o suscitador de um novo humanismo, o inspirador das novas posições políticas que, através da chamada política da main tendue, levaria às mais diferentes formas de democracia social e cristã dos dias atuais, para escândalo daqueles que têm horror ao filósofo e escritor participantes.

É Maritain sobretudo o ponto de encontro da mais profunda e comovedora renovação espiritual do século, na linha de Bergson, de Leon Bloy, seu padrinho de batismo, de Charles Péguy, o peregrino do absoluto, de Ernest Psichari, o famoso neto de Renan, morto como Péguy, nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, de Raïssa, sua mulher, autora daquele magnífico depoimento - As Grandes Amizades  -, de Georges Bernanos, que entre nós conviveu longamente em seu retiro de Cruz das Almas, de onde escreveu a sua famosa Letres aux Anglais, ou do nosso Tristão de Athayde, empenhado a fundo no trabalho de divulgação do pensamento do filósofo.

Com Maritain tomei contacto, em meus verdes anos, através de um opúsculo, hoje talvez pouco lembrado, mas de significativo conteúdo profético, em sua obra memorável – O Crepúsculo do Ocidente. A ele seguir-se-ia a leitura do célebre e apaixonante Noite de Agonia em França, de que se destaca o monumental prefácio de Tristão de Athayde, que também o traduziu para nossa língua. Dele me aproximaria mais ainda pelo seu famoso Humanismo Integral, de tamanha influência em minha geração, a que se seguiria a leitura de Os Direitos do Homem, cujo aparecimento haveria de provocar a famigerada polêmica com os jesuítas.

Se pudéssemos enfocá-lo por um aspecto apenas de sua personalidade multiface – e isto se tornaria empresa temerária tratando-se de um espírito numeroso e vário como o de Maritain, diríamos que a característica essencial do autor de Questions de Conscience foi a ansiosa procura da verdade, a ponto de haver realizado um pacto de morte com sua companheira Raïssa, no caso de não encontrarem um sentido para a vida, gesto trágico de que os salvaria o providencial encontro com o autor de La Femme Pauvre.

Esta procura o levaria primeiro ao Bergsonismo, em cujas famosas conferências na Sorbonne viria conhecer a companheira de toda a vida e partícipe de seu drama espiritual. Mais tarde, retificaria Bergson, fazendo-lhe uma severa crítica em seu livro de estréia La Philosophie Bergsonienne, ao tempo em que procurava encontrar na tradição tomista a solução dos problemas filosóficos do angustiado mundo moderno.

Mas, como filosófo cristão, como neotomista, não se desligaria Maritain das questões mais cruciantes do mundo contemporâneo. Haja vista sua participação efetiva no episódio da Guerra  Civil Espanhola – sabido como é que a “questão espanhola” foi de fato uma questão européia, condenando com veemência a impostura do franquismo, que se escudava na hipócrita defesa dos valores da civilização cristã.

Isto lhe valeu, por toda a vida, a condenação dos bem-pensantes, a que se associou a dos fanáticos da Action Française, que lhe acarretaria a pecha de violento.

De tal modo suas atitudes públicas, inspiradas na mais pura autenticidade de sua fé cristã, constituíram um escândalo para os obscurantistas, que a estes causaria surpresa a carinhosa acolhida que lhe dispensou Pio XII, no Vaticano, quando ali chegava, em 1945, como embaixador de De Gaulle.

É assim Maritain um tema permanente de debate que não pode esgotar-se em um breve registro, que apenas pretende dar um depoimento pessoal e recolher as primeiras impressões da emoção pública que traz o desaparecimento do maior filósofo cristão do nosso século.

A igreja pós-conciliar muito lhe deve na antecipação em adotar posições as mais consentâneas com o desafio dos novos tempos.

Talvez esse fato tenha inspirado ao Papa Paulo VI, que se considera seu discípulo e de quem Maritain recusaria o chapéu cardinalício, num gesto de profunda humildade, aquelas palavras memoráveis, ditas recentemente perante uma multidão de 30 mil peregrinos, ao evocar a vida de Santa Teresa, a primeira doutora da Igreja:

“Outra voz também nos atrai hoje para um texto inédito que diz: cada professor busca ser, na medida do possível, exato e bem-informado em sua disciplina. Mas é chamado a servir a verdade de modo mais profundo. É um fato que lhe pedem que ame, acima de tudo, a verdade, como o absoluto a que se consagrou inteiramente. Se é cristão, ama a Deus em pessoa. Quem fala assim é Maritain, morto ontem em Toulouse.”

“Na verdade, Maritain foi um grande pensador de nosso tempo, um mestre na arte de pensar, de viver e de orar. Morreu só e pobre, associado aos irmãozinhos de Jesus, do Padre de Foucauld. Sua voz e sua figura ficarão na tradição do pensamento filosófico e na meditação católica. Não esquecemos a sua última visita a esta praça, no fechamento do Concílio, para saudar os homens de pensamento, em nome  de Cristo, nosso Mestre.”

 (Publicado no Correio Braziliense, de 5.05.1973, por ocasião da morte de Maritain, e ora republicado nesta coluna, numa homenagem ao centenário da conversão do filosófo ao catolicismo.)




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