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M. Paulo Nunes Se houver entre nós
um presidente que marcou época, estendeu pontes e desvendou caminhos novos em
nossa vida pública, este foi Juscelino Kubitschek de Oliveira. Não pelo que
tenha feito em termos de realizações materiais (e fez muita coisa); não pelo
que haja implantado como medidas transformadoras de nossa estrutura econômica (
e modificou muita coisa); não pelo que tenha mudado em termos de estrutura
social (e neste particular nada pôde fazer), e sim, pelo que criou em termos de
mentalidade nova, cercando-se de uma equipe de trabalho das mais competentes do
país, como Rômulo Almeida, Celso Furtado e Augusto Frederico Schimidth. O
primeiro, foi o responsável pelo plano de metas, inclusive pela meta-síntese-
Brasília; o segundo pela criação da SUDENE, destruída após o golpe militar com
o apoio ostensivo do coronelismo político. O último, foi uma espécie de
alter-ego da utopia presidencial. Numa política cultural de confronto com a
Escola Superior de Guerra, a chamada Sorbonne fardada, onde se elaborava o
pensamento militar conservador do país, no confronto da Guerra Fria, com a
criação da famigerada doutrina da segurança nacional que resultaria no golpe
militar de 64, criou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB. Ali
pôde reunir o que havia de melhor no país, em termos de inteligência e
pensamento progressista – Guerreiro Ramos, Roland Corbusier, Milton Santos,
Hélio Jaguaribe, Josué de Castro e tantos e tantos que se dedicaram, de corpo e
alma, à criação da nova inteligentzia do país, capaz de opor-se ao golpe
das classes conservadoras que já estava em processo, desde a renúncia de Jânio
e a posse de João Goulart na presidência da República, coisa com que os
militares derrotados em 54 e 55 nunca se conformaram.
Fez, entretanto,
muita coisa errada. Destruiu o sistema ferroviário do país, instituindo um
plano rodoviário caríssimo que pudesse justificar a criação de uma indústria
automobilística entregue às multinacionais.
E
fez Brasília no grito e na ousadia. Foi um bem ou um mal? Foi um fato
necessário? Quanto custou? A espetacular dívida externa? Não, que os governos
militares a triplicaram ao assumir. Instituiu a corrupção? Não, que esta já vem
de longe e não acaba nunca. Haja vista o que houve com o PT. Pregoeiro da
ética, durante cerca de 30 anos, nela mergulhou de ponta-cabeça e não há mais
quem de lá possa retirá-lo.
Credita-se
entretanto ao período JK, agora levado à televisão, uma fase de otimismo e
auto-confiança do povo no seu destino manifesto de grande potência, ao seu
espírito democrático, à sua incapacidade de manter a dissenção e o ódio, que
esses seriam depois os ingredientes com que se realizaria o autoritarismo dos
que empalmaram o país num golpe de força e mantiveram subjugadas, durante 21
anos, as nossas instituições republicanas. Para que, afinal? Para nada. Sua
morte, que pude acompanhar de perto em Brasília, onde então residia, foi um
momento de grave comoção popular que uniu toda a nação em torno de seu nome.
De qualquer forma,
numa avaliação machadiana, não houve perdas nem ganhos em relação ao período
JK, consegüintemente saiu ele quite com a vida, levando ainda consigo um
pequeno saldo, que é o seguinte: Juscelino Kubitschek foi uma figura à altura
de sua época e a imagem mais representativa da vida pública nacional. O que é
uma pena para a vida pública nacional.
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