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Notícia

JOSUÉ MONTELLO
20/01/2011 00:10:29


M. Paulo Nunes

 A vida intelectual de cada um de nós constitui uma espécie de “corsi i ricorsi”, como diriam os italianos, em que as preocupações intelectuais vão e vêm, conforme o fluxo momentâneo de nossas paixões, de nossos interesses ou às vezes de nossas divagações como puros espíritos. Assim, no curso de nossas vidas, que no meu caso agora de aproxima de “la ultima vuelta del camino”, como diria o romancista Pio Baroja, vão e vêm essas preocupações, dependendo, às vezes, ora de um livro que nos surpreende, ora de uma conversa marcante, ora mesmo do tédio de viver que às vezes nos assalta e faz com que o afastemos com a releitura de um autor de nossa preferência que, no meu caso particular, são muitos, porquanto sempre fui um leitor compulsivo com uma inesgotável curiosidade intelectual.

Às vezes ocorre comigo (deve ocorrer também com a maioria das pessoas que me ouvem) de olhar pesaroso para uma ruma de obras recém-adquiridas e fustigar-me o remorso de ainda sequer as ter folheado, o que dá à gente uma sensação de um dever não cumprido.

André Maurois, em suas Memórias, que li ainda na adolescência, no período da segunda Guerra Mundial, quando se refugiara nos Estados Unidos fugindo à fúria de Hitler contra os judeus e contra a inteligência,no momento em que os seus livros se tornaram verdadeiros “best-sellers”, a partir do sucesso de Os Silêncios do Coronel Bramble, que praticamente o lançaria na grande literatura, Maurois dizia que quando vivia na província francesa trabalhando numa empresa de sua família, mas, com um permanente interesse intelectual, interesse a que ele dava curso à noite, depois das tarefas diárias, com suas leituras ou com suas tentativas de escrever alguma coisa, contemplava à distância, com verdadeira veneração, aqueles que se constituíam nos luminares da cultura francesa que à época (bons tempos aqueles) era a cultura universal que incorporávamos à nossa formação.

Josué Montello, há pouco desaparecido e agora objeto de nossa evocação, em um de seus últimos livros, editado pela Academia Brasileira de Letras, Reencontro com Meus Mestres (2003) fez aquilo que todos nós desejaríamos também fazer, ou seja, recensear as influências dominantes em sua formação intelectual, mediante o repasse dos autores com os quais se encontrou ao longo da vida. Para mim isto constituiria tarefa difícil. Primeiro, por não possuir as qualidades fundamentais de um grande escritor (valha a modéstia, que não é falsa). Depois, por não dispor daquele poder de síntese do autor de Os Tambores de São Luís, e imitá-lo em sua forma sucinta de resumir com sua lúcida interpretação fatos e personagens de nossa vida intelectual.

Assim, além daqueles autores basilares em nossa formação intelectual, ou seja, na formação intelectual de minha geração,ou ainda na minha preparação para o magistério da nossa língua, esta “última flor do Lácio inculta e bela”, como diria Bilac, hoje desgraçadamente tão maltratada, teria que enumerar também aqueles que, e foram inúmeros - pensadores, sociólogos, historiadores, romancistas, críticos literários, tanto da nossa quanto das outras culturas afins, fui descobrindo e adotando como leitura obrigatória ao longo da vida, ou ainda os que davam o tom à cultura brasileira em nossos dias e seriam assim nossos contemporâneos.

Na Fundação Getúlio Vargas, quando ali participei de  um curso opcional sobre cultura brasileira com que suavizava um pouco a aridez das aulas do curso de administração pública que ali realizara, ministrado por especialistas estrangeiros, assisti a um verdadeiro desfile de personalidades dos mais variados campos e matizes de nossa vida mental, como Alceu Amoroso Lima, Anísio Teixeira, Sobral Pinto, Gustavo Barroso, um dos melhores conferencistas que já ouvi, Sobral Pinto, Afonso Arinos de Melo Franco, Castro Rebelo, Lourenço Filho, como Anísio Teixeira, um dos renovadores de nossa educação e outros tantos que a memória infiel não pôde reter. Leitor de muitos deles, foi aquele um momento de alegria e de reencontro.

Com Anísio Teixeira, por exemplo, eu me reencontraria inúmeras outras vezes, não apenas pela leitura de seus admiráveis livros de análise do fenômeno educacional brasileiro, com o seu denso prefácio ao livro de Dewey – Educação e Democracia, como no antigo Conselho Federal de Educação, na Associação Brasileira de Educação, em suma, nos principais fóruns de educação do país. Baixinho, magro, elétrico, lembrando em  seu perfil o ator Procópio Ferreira, era uma inteligência em ebulição permanente, marcada pelo toque da genialidade. Que grande e inesquecível figura humana e o quanto me ajudou em minha labuta de servidor da educação pública!

Por que estou aqui agora a evocar esse passado e essas figuras? Sinceramente não sei.

Talvez, (quem sabe?)  pelo desejo inconsciente de retorno ao passado, porquanto todos nós somos seres permeados de lembranças, guardadas intactas em nossa memória involuntária, prontas a deflagrar a qualquer momento, à maneira do autor de Em Busca do Tempo Perdido, e tentar perfazer com ele, através de sua obra monumental, aquela parábola por ele vivida. Partindo do Caminho de Swann, passa pelo Caminho de Guermantes, namora À sombra das Raparigas em Flor, por Albertina Desaparecida, por Sodoma e Gomorra, para concluir com o Tempo Reencontrado. É nesta parte que o autor dessa epopéia  heróicômica, como a denominou o crítico Álvaro Lins, em um dos melhores estudos que sobre o romancista já se fizeram, depois de viver intensamente a vida dos salões aristocráticos e a sua decadência, com a ascensão da nova classe, a burguesia francesa do final do século XIX, assume com ele mesmo o propósito de revivê-los numa obra de arte, aquele que seria um dos maiores romances da literatura universal. Então abandona para sempre a vida mundana e só reaparece muitos anos após, com a obra concluída.

Nós outros também, seus leitores devotos, ao ler o último capítulo desse livro admirável, voltamos ao começo para relê-lo, uma duas, três, dez vezes que seja ou a vida inteira, que esta é  bastante curta para lê-lo durante toda a existência, como deveríamos fazer com os autores tocados pela graça da genialidade, seja ele um Marcel Proust, um Eça, um Machado de Assis, um Graciliano Ramos, um  Jorge Luis Borges, um Mário Vargas Llosa, uma Vírgina Woolf, um José Saramago, um Josué Montello.

Mas falemos de Josué Montello, que é o nosso tema central. Não vou fazer-lhe a análise da obra que é vasta e incomensurável e seria fastidioso para a seleta assistência que me ouve. Quero apenas delimitar-lhe os pontos mais sensíveis de sua romancística ou de sua visão de mundo, como ensaísta, memorialista, biógrafo e  estudioso dos problemas brasileiros nas mais diferentes áreas do conhecimento, além de ter sido ele dedicado servidor público, como educador, como diplomata,como administrador, diretor da Biblioteca Nacional e do Museu Histórico Nacional, do Museu da República, por ele organizado no antigo Palácio do Catete e presidente do Conselho Federal de Cultura, em má hora extinto pela incompreensão de um governo divorciado de nossos problemas culturais, felizmente de curta duração. Instituição aquela, o Conselho Federal de Cultura que, com a sua competência, ajudou ele a criar e a dar-lhe feição definitiva em 1966, como expressão mais alta da cultura brasileira.

Não me lembro de quando data a nossa aproximação que foi para mim bastante enriquecedora. Li-o todo, um pouco sem método, de fio a pavio. Hoje encontro em minhas estantes poucos livros seus. Inclusive os de sua prosa diarística a que sempre recorro e me fazem assim muita falta. Talvez pelo afã de estender sua leitura ao maior número de pessoas eu os tenha emprestado além da conta. E emprestar livros, diz a sabedoria popular, é uma forma de perdê-los.

Comecemos pelo romancista, gênero a que porfiadamente se dedicou. Quando iniciou a publicação de seus romances, a começar por Janelas Fechadas, em 1947, já o modernismo, com o chamado romance de 30, havia praticamente delimitado suas fronteiras, na literatura brasileira. Os livros definitivos dessa fase, tais os do ciclo da cana de açúcar, de José Lins do Rego, como Fogo Morto, uma obra-prima; os do ciclo do cacau, de Jorge Amado,como Terras do Sem Fim e Gabriela, Cravo e Canela; os do ciclo da seca como A Bagaceira, de José Américo de Almeida, Vidas Secas, outra obra-prima de nossa literatura, de Graciliano Ramos, Os Corumbas, de Amando Fontes, O Quinze, de Rachel de Queiroz, já haviam sido todos  publicados e o romance de 30 havia dado seu recado. Com eles se faria a renovação estética de nossa literatura, ao incorporar novos temas à romancística brasileira.

Josué Montello preferiu dar continuidade a outra temática em nosso romance, a do romance urbano, que vem de Manuel Antônio de Almeida, com Memórias de um Sargento de Milícias, um livro que considero fundador de nossa prosa romanesca, uma vez que Teixeira e Sousa, que o precedeu, não tem a força narrativa, a intensidade e a vivência desse grande romancista com os problemas de nossa nacionalidade em formação. Seguem-no, ainda no romantismo, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, cuja temática é mais abrangente, Machado de Assis, o modelo entre todos, Lima Barreto e Marques Rebelo, todos eles romancistas do Rio de Janeiro, e Érico Veríssimo, no Rio Grande do Sul.

Quanto a essa forma de romance já a ele se referia, em seu tempo, o mestre Machado de Assis, ao apontar, com muita propriedade, suas características fundamentais, no ensaio primoroso que nos leva aos primórdios de nossa crítica literária, “Instinto de Nacionalidade”. Ali nos diz o autor de Dom Casmurro:

“O romance brasileiro recomenda-se especialmente pelos toques do sentimento, quadros da natureza e de costumes e certa viveza de estilo mui adequada ao espírito do nosso povo. Há em verdade ocasiões em que essas qualidades parecem sair da sua medida natural, mas em regra conservam-se estremes de censura, vindo a sair muita coisa interessante, muita realmente bela. O espetáculo da natureza, quando o assunto o pede, ocupa notável lugar no romance,e dá páginas animadas e pitorescas, e não as cito por me não divertir do objeto exclusivo deste escrito, que é indicar as excelências e os defeitos do conjunto,sem me demorar nos pormenores.” E continua;

“Pelo que respeita à análise das paixões e caracteres são muito menos comuns os exemplos que podem satisfazer à crítica; alguns há, porém, de merecimento incontestável. Esta é, na verdade, uma das partes mais difíceis do romance, e ao mesmo tempo das mais superiores.Naturalmente exige da parte do escritor dotes não vulgares de observação que, ainda em literaturas mais adiantadas, não andam a rodo nem são a partilha do maior número.” (M. de Assis, Obra Completa, III vol.Aguillar Editora, p. 805)

O autor de Quincas Borba aflora ai um aspecto fundamental de nossa romancística, qual  seja, a do romance espetáculo,  inclusive pelo seu paisagismo, como  o caracteriza o romancista português Vergílio Ferreira, fundado entre nós por Alencar, e o romance psicológico, aquele que propõe um problema, como é o caso de Machado de Assis, a partir das Memórias Póstumas de Braz Cubas, q ue inicia a fase renovadora de sua obra.

As duas tendências podem juntar-se em vários romancistas, como no próprio Machado, em Lima Barreto, em Graciliano Ramos, em Josué Montello, para citar apenas os que no momento me vêm à lembrança.

No caso particular do romancista de que estamos tentando aqui esboçar o perfil, aquelas duas tendências – a do romance social e a do romance problema, poderemos surpreender, não somente em seus livros de reconstituição histórica a exemplo ao já citado Os Tambores de São Luis, como também em Os Degraus do Paraíso, A Décima Noite e Viagem sem Regresso. Aliás, segundo o crítico Wilson Martins, todo romance histórico é também um romance psicológico. De fato, lembramo-nos aqui também do caso de Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, o criador desse gênero na literatura portuguesa. Neste romance, ao lado do drama social da invasão dos mouros, na península ibérica, que a ocuparam por oito séculos, há a tragédia pessoal de Eurico, que se tornaria presbítero de Cartéia, e sua paixão por Hermengarda, a qual não se consuma em virtude da fidelidade daquele aos seus votos sacerdotais que o catolicismo antitridentino do autor não aceitava. Naquele e nesses últimos são abordados os problemas da conversão religiosa do catolicismo ao protestantismo, que foi o caso do pai do romancista. Este aspecto é tratado em seu romance com a densidade que me lembram alguns romances ou récits de André Gide, como ele os denominava, e ainda o da exigência da virgindade antes do casamento,como preceituava um dos artigos do nosso antigo Código Civil, tornado perempto com a revolução sexual das últimas décadas do século passado, que constitui o tema central de A Décima Noite, e o homossexualismo feminino, um tema até então pouco explorado no romance brasileiro, em A Viagem sem Regresso.

Seguindo essa tendência,a do romance urbano, Josué Montello se converte num dos maiores romancistas brasileiros, não só em termos de efabulação da narrativa, como ainda na de construtor de um romance urbano novo, embora conservando aquelas características essenciais da nossa romancística citadina, na linha do genial Machado de Assis, que reconstitui entre nós a sociedade do 2º Império, como já o definiu muito bem o crítico Astrojildo Pereira em um dos primeiros estudos enfocando esse tema.É tão importante esse estudo de Astrojildo – “Machado de Assis, Romancista do 2º Império”, que a partir daí ninguém mais estudaria o autor de Memórias Póstumas, como um escritor divorciado dos problemas da sociedade do seu tempo de que tanto o acusavam.

Quanto á técnica romanesca por ele adotada, vejamos sua própria opinião expressa no Diário da Tarde,em nota de 1º de outubro (1957), ao instalar-se em Madri, em função diplomática, ainda no início de sua carreira literária:

A Décima Noite, começado em Lisboa, será continuado aqui.Tenho comigo o tema, as figuras, o cenário, mas não sei ainda se irei encontrar a difícil conciliação da tradição narrativa com as técnicas modernas, que pretendo seja o meu caminho. Ora vou para um lado, ora vou para o outro, no porfiado esforço para realizar-me como romancista. Porque sinto em mim, imperativa, teimosa, a vocação para o romance.”(Ob. cit. p. 35)

Josué Montello, como já o disse noutro lugar, inicia assim por esse caminho a sua trajetória de romancista, dos maiores de nosso país e de nosso tempo, ao reconstituir, como diria Alexandre Herculano, o “viver e o crer das extintas gerações” de uma cidade das mais representativas do país que aí se constitui como que num microcosmo da sociedade brasileira, São Luis do Maranhão. E assim nos lega uma obra monumental, em que não são poucos os momentos de grandeza, através de obras que hoje integram o patrimônio daquela cidade, com a sua paisagem histórica, patrimônio que são da cultura brasileira. Dentre elas merece especial destaque Os Tambores de São Luis, a sua obra-prima, por nela haver fixado a história da escravidão negra no Brasil, na segunda metade do século XIX, em um de seus locais de maior presença. Através do velho Damião, fixa ele o perfil de três gerações de afro-descendentes. Iniciando-se a trama quando vai o protagonista assistir ao nascimento do neto, reconstitui o autor, no espaço de um dia, à maneira do Ulisses, de Joyce,a vida e os mores de uma comunidade das mais ricas em valores humanos, fértil em acontecimentos e episódios que fundamente a marcam no decurso do tempo. Com este romance, dos maiores que produziu a nossa história literária, incorpora ele à literatura brasileira o problema da escravidão negra no país, com as protelações sucessivas de uma sociedade injusta como aquela dos senhores de baraço e cutelo que eram os senhores de escravos e seus agentes na vida nacional e no Parlamento do Império. As procrastinações sucessivas de suas leis inúteis, como a dos sexagenários e a do ventre livre que apenas adiavam o problema,  mereceriam do Pe. Antonio Vieira aquela denúncia terrível contida no  famoso Sermão da Primeira Dominga da Quaresma, por ele transcrita na abertura do romance: “Ah fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torceram, haviam de lançar sangue!”  A Noite sobre Alcântara, outra obra-prima sua, com que reconstitui a cidade histórica do outro lado da baía de São Marcos, Os Degraus do Paraíso, O Largo do Desterro, Cais da Sagração e outros tantos constituem também as mais perfeitas realizações literárias no domínio da arte romanesca daquele que, pelo estilo literário,  certamente se alteia até Machado de Assis, de quem é um devotado estudioso, e aos cânones da língua portuguesa.  Não é apenas meu este juízo. Manuel Bandeira já disse ser esta a primeira qualidade de Josué Montello, revelada desde as primeiras linhas. Uma escrita que como a de Machado de Assis, parece passada a limpo. Como diria ainda Alceu Amoroso Lima, com os seus romances, “a exemplo de José de Alencar, vai abarcando, aos poucos toda a sociedade brasileira.”

Em sua prosa diarística, em que também se revela um mestre inexcedível, na mesma linha dos autores desse gênero de prosa, como Frederico Ariel, em seu Diário Íntimo, traçou o mais completo painel da vida literária e social brasileira de que se tem notícia entre nós, constituída dos volumes Diário da Manhã, Diário da Tarde, Diário do Entardecer, Diário da Noite Iluminada, mais de três mil páginas dedicadas à nossa vida literária.

A esse painel não poderia faltar também o ensaísta e o biógrafo, com os livros Memórias Póstumas de Machado de Assis, Aluísio Azevedo e a Polêmica d’O Mulato, O Presidente Machado de Assis, entre outros, além de inúmeros outros ensaios e estudos como O Caminho da Fonte, Uma Palavra Depois da Outra, com que enriqueceu no gênero a bibliografia brasileira. Além desses convém ainda assinalar a presença do contador de histórias e fatos anedóticos da vida literária, como os que integram o Anedotário Geral da Academia Brasileira, em que se revela o fino ironista que mereceria estudo à parte.

Na obra de Josué Montello parece-nos explicitar-se admiravelmente aquele conceito de José Saramago expresso em sua prosa diarística, de homerização do romance que ele gostaria que fosse não um gênero literário “mas um lugar capaz de acolher, são palavras suas, toda a experiência humana, um oceano que receberia, e onde de algum modo se unificariam as águas afluentes da poesia, do drama, da filosofia, das artes, das ciências.”(Cadernos de Lanzarote II, p. 212, Companhia das Letras)

É um conceito este, o do romance como a moderna epopéia, que venho difundindo, em meus escritos, e adquirido desde o tempo remoto de professor de literatura no Liceu e na Faculdade de Filosofia e que recolhi em Franz Werfel, em seu belo livro em louvor do milagre de Lourdes, A Canção de Bernadete, publicado nos Estados Unidos, ao tempo da Segunda Guerra Mundial, quando seu autor fugia da perseguição nazista aos judeus e que li por indicação do saudoso Monsenhor José Luis Barbosa Cortez, meu professor de latim no velho Liceu e pessoa da minha particular estima.

Vou concluir, meus senhores e minhas senhoras, para não cansá-los tanto. Não esgotamos o assunto, é claro, apenas o abordamos perfunctoriamente, esperando que outros o completem com mais autoridade e maior competência.

E concluo, com um episódio referido em seu Diário da Tarde, em nota de 9 de outubro (1957) ao retomar sua atividade docente no Instituto de Cultura Hispânica, em Madri, para onde fora transferido a seu pedido depois de um desentendimento com o então titular da Embaixada do Brasil em Lisboa, escritor Álvaro Lins, onde se encontrava o autor na condição de adido cultural.

Demos-lhe aqui a palavra para narrar aquele episódio:

“Como já fazia algum tempo que eu não dava aula, pude viver, de mim para mim, a emoção de Dom Miguel de Unamuno, na residência de estudantes, na Universidade de Paris, ao tempo de seu exílio.

Convidado por George Duhamel, Unamuno foi fazer uma palestra para jovens estudantes. Ao defrontar-se com os moços, na sala de aula, sentiu a palavra retida na garganta, enquanto seus olhos se umedeciam; logo se curvou sobre as mãos espalmadas. Com um gesto Duhamel pediu silêncio à classe. E Unamuno, daí a momentos, descobrindo o rosto molhado:

- Vocês me perdoem a emoção do velho professor. Já fazia algum tempo que este mestre exilado não tinha a oportunidade de dar uma lição. Obrigado por este silêncio.

As palmas ressoaram, e Unamuno, reapossando-se de si mesmo, começou a sua aula.”

E conclui aquela nota o autor de O Labirinto de Espelhos;

“No anfiteatro do Instituo de Cultura Hispânica, diante de alunos, de convidados, de companheiros da Embaixada, senti também a garganta contrair-se. Esperei um momento. Arrumei no descanso do púlpito minhas notas. E abri minha lição contando aos meus amigos, aos meus companheiros, o que se havia passado com Unamuno, fora da Espanha, e que eu também estava vivendo, naquela sala, longe de meus alunos brasileiros.

Está claro que não dei, nem poderia ter dado, a aula que Unamuno deu em Paris. Mas tive minhas palmas, assim que recordei a emoção do mestre espanhol.” (Ob. cit. p. 43)

Obrigado a todos pela paciência.

 

( Palestra proferida na Academia Piauiense de Letras, na sessão dedicada a Josué Montello, em 6 de maio de 2006)




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