M.Paulo Nunes
Anísio Teixeira foi uma das maiores figuras da educação brasileira,
aquele que, jamais tendo sido ministro da Educação em nosso país, o que foi uma
pena, sobretudo pelo fato de sermos um país carente de educação eficiente, como
ele queria, sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo, permearia,
entretanto, com sua obra teórica e prática, a nossa educação, por todo o século
XX. Nenhuma figura igual a ele, seja por seu pensamento lógico e translúcido, seja
por sua obra de pioneiro no penoso processo de construção de um modelo de
ensino que pudesse atender às aspirações de nosso povo. O resultado foi que com
o grande Anísio, negado, às vezes, pela incompreensão de seus contemporâneos,
politicamente perseguido por uma meia dúzia de energúmeros, seria ele, na
história da educação brasileira, a sua personalidade marcante e emblemática.
Daqui a muitos anos, quando houvermos superado os déficites ou a magra dieta
educacional do país ou a sua melhoria qualitativa, ainda se falará no baiano
Anísio Teixeira, como um precursor e um renovador.
Josué Montello teve uma longa convivência com Anísio Teixeira, no antigo
Conselho Federal de Educação que era naquela época uma assembléia de sábios,
como Tristão de Atahyde, Dom Helder Câmara, Almeida Jr., Valnir Chagas e tantos
outros, além dos dois primeiros já mencionados,que tanto contribuíram para
estabelecer as bases de uma educação renovada e não esse “faz de conta” que
vemos por aí.
Em seu livro de prosa diarística, Diário do Entardecer, evoca o
autor de Cais da Sagração, em nota de 25 de março (1971), este convívio,
em palavras repassadas da maior emoção, após a sua morte trágica daquele
educador,, as quais também poderão ser incorporadas à história da educação do
país:
“Os que tiveram o privilégio de conviver com Anísio Teixeira, dele
guardaram a imagem de uma extraordinária máquina de pensar. Anísio era em
verdade, com a fulguração prodigiosa de sua inteligência, um cérebro em
perpétua ebulição.
“Por vezes essa fulguração raivava pela genialidade. Daí o encanto de
seu convívio. Não que ele fosse um falador torrencial desses que obrigam o
interlocutor à passividade do silêncio. Pelo contrário; também sabia ouvir, e
era ouvindo que apanhava de repente o fio do assunto.
“A figura franzina subitamente se transfigurava. Todo ele, nessas
ocasiões, era brilho verbal, na urdidura lógica, na precisão das palavras, na
unidade do discurso.Porque Anísio era essencialmente um lógico, mas um lógico
que fosse também um mágico, no gosto lúdico do verbo.
“Entre os mestres da educação nacional que prepararam, nos últimos 40
anos, o advento do Brasil moderno, tinha Anísio uma posição preeminente. Não
seria um técnico como Lourenço Filho nem um erudito do porte de Fernando de
Azevedo. Mas um e outro não teriam a sua estatura, como filósofo da educação.
“O que Anísio deixou escrito, nos poucos livros que publicou, só em
parte reflete sua inteligência. Dir-se-ia que a escrita o aguilhoava. Precisava
do espaço da conversa, na surpresa do improviso, para alçar o vôo de largos
horizontes. É que nele o professor tornava o passo ao escritor, pensando mais
livremente diante da classe que diante da folha de papel em branco.
“Estou a vê-lo nas duas breves horas do nosso encontro. Ele me havia
telefonado pela manhã para cumprir o seu ritual de candidato à Academia,
querendo visitar-me. Deixei-o à vontade. Poderia visitar-me, se o quisesse: o
meu voto já era seu.
“... De repente, ao visitar outro amigo, a Fatalidade veio ao seu
encontro. Anísio abriu a porta do elevador, que supôs à sua espera, e deu um
passo firme, para se precipitar ao fundo do poço, sem que lhe vissem a queda.
Com a fragilidade de nossa condição, ali
ficou, quieto..
“Ainda
bem que, nesse instante, já Deus o envolvia na sua grande luz.” (Ob. cit.,
pp.372-4).