M. Paulo Nunes
Um dos ambientes em que ocorre maior acerto de contas pessoais é na vida
literária. Houve, no país, durante certo tempo ou seja nos começos da nossa história literária,
prolongando-se algum tempo depois um clima de suspeição em torno de pessoas que
escreviam e entre os seus próprios integrantes, o que os levava a apelarem, vez
por outra, para a bordoada, em lugar do juízo crítico isento, o que
transformava a vida literária, num verdadeiro inferno. Machado de Assis, modelo
entre todos de isenção, pela sua integridade de caráter e pelo tédio à
controvérsia, fugia a esse tipo de crítica como o diabo da cruz. Suportou, com
serenidade, as trezentas e cinqüenta páginas do libelo de Sílvio Romero contra
a sua obra, num livro injusto, Machado de Assis, sem esboçar um gesto de
defesa. Nem uma palavra, nem uma censura ao terrível autor da História da
Literatura Brasileira, com quem continuou a manter o mesmo convívio educado
nas reuniões da Academia Brasileira.
No estudo “A Virtude da Humildade” contido em seu livro Uma Palavra
Depois da Outra, que vimos comentando nestas notas, conta-nos o seu autor,
Josué Montello, que o criador de Brás Cubas, limitou-se a fazer,
comentando o volume em que foi tão injustamente agredido, em correspondência a Carlos Magalhães de
Azevedo o seguinte; “O que parece é que me espanca. Enfim, é preciso que,
quando os amigos fazem um triunfo à gente (leia esta palavra em sentido
modesto), haja alguém que nos ensine a virtude da humildade.” (Ob. cit., p. 38).
E para que se tenha uma idéia da violência da agressão do crítico
eminente basta lembrar o trecho em que Sílvio lhe aparecia a obra poética,
desfechando no grande escritor uma paulada rija: “Creio não ser demasiado
grosseiro afirmar que esta águia não tem envergadura, este condor não possui o
largo vôo solitário das montanhas, este Machado de Assis é um doce poeta de
salão, pacato e meigo, se quiserem;
porém mudo e completamente gago para servir de companheiro a qualquer
coração dorido, a qualquer alma sedenta de emoção e verdade.” (Ob. cit., idem)
E conclui:
“Era da tática do velho feiticeiro literário não aceitar desafio.
Atacado, retraía-se. Ou então ignorava o ataque. Os amigos e admiradores é que
saíam a campo em sua defesa. E ele quieto no seu canto, a compor outros livros,
como se o litígio lá fora não fosse a seu respeito.” ( Ob. cit., idem)
Não se sabe os recursos de que se utilizava para manter esta suposta
indiferença em relação aos ataques do autor de As Zéverissimações Ineptas da
Crítica, desta festa tudo como alvo o grande crítico e historiador da
literatura José Veríssimo.
Diz-nos ainda o autor de Os Degraus do Paraíso, naquele estudo,
que Talleyrand, sempre que alguém o feria, sentava-se à mesa e passava no
desafeto uma violenta descompostura epistolar – mas não enviava a carta:
recolhia-a numa gaveta deixando correr o tempo, e rasgava-a, quando a ira
desvanecia.
A crítica severa e no caso de Machado de Assis, impiedosa, obriga o
autor “A esse ato de contrição, quando não impele à represália dos azedumes”.
Eça de Queiroz, no prefácio a 2ª edição de O Crime do Padre Amaro,
desforrou-se dos arranhões recebidos a propósito da publicação deste livro e
também de O Primo Basílio, ao falar em “má fé cínica e “obtusidade
córnea”, a propósito de seus críticos, um deles o próprio Machado de Assis,que
fez sérias restrições ao Primo Basílio, magoando profundamente o seu
autor que, ao contrário do bruxo do Cosme Velho não costumava levar desaforo
para casa.
No caso da polêmica dos amigos do autor de Dom Casmurro, saídos
em sua defesa, “a verdade é que o crítico, não obstante saber abrandar juízos
excessivos”, manteria, no entanto, a condenação ao poeta, como o faria quatro
anos depois ,quando do aparecimento de suas Poesias Completas: “O melhor
é ser franco” – concluía ele no fecho da sentença – “e, dizer toda a verdade,
porque esta não faz mal a ninguém: O Sr. Machado de Assis é um dos nossos
maiores romancistas, um dos nossos melhores prosadores, mas, como poeta, é de
ordem secundária.”
“De si para consigo – arremata o nosso autor – o poeta não aceitaria
essa condenação. Tinha consciência de seu valor, sabendo o que representava nas
letras do seu País. E, lido em Renan, recordaria, a propósito de Sílvio,
aqueles cavaleiros do Século XVI, evocados pelo narrador da Vida de Jesus
– cobertos de ferro e esmagados pelo próprio armamento...” (Ob. cit. , p. 39).