M. Paulo Nunes
Além das qualidades
maiores de romancista, memorialista, crítico literário e ensaísta, Josué
Montello foi de modo especial um grande contador de histórias. Histórias não
romanescas como as de seus romances, mas a história de fatos recolhidos de sua
convivência diária com personagens da vida literária. Essas histórias compõem o
seu Anedotário da Academia Brasileira, em dois volumes e se
espraiam ainda por outras publicações como a deste volume que acabo de reler,
numa bem cuidada edição do antigo Instituto Nacional do Livro, em má hora
extinto por um insano que passou como um furacão pela presidência de nosso
país, e intitulado Uma Palavra Depois da Outra (1969).
Uma dessas
histórias diz respeito ao famoso polemista Agripino Grielo, autor do Sol dos
Mortos e Carcassas Gloriosas, com que inverteu contra os falsos
valores de nossas letras, vergastando sem dó nem piedade as nulidades que
pomposamente se aboletam nas instituições de cultura do país. Isto não impediu
entretanto de escrever dois livros primorosos: São Francisco de Assis e a
Poesia Cristã e uma biografia de Castro Alves, por quem era ele
apaixonado e a quem considera um livro injusto sobre Machado de Assis a
respeito de quem a maior coisa que diz é ser ele plagiário.
Evoca o autor de A
Noite sobre Alcântara um de seus desencontros com Agripino, na sede da
Embaixada de Portugal de Espada. Não se lembrou, ao que diz naquela nota das
pilhérias com que o escritor teria alfinetado, ao longo da vida combativa, de
esgrimista da palavra “a vaidade de muita gente ilustre que adora enfeitar-se
com a placa e afitadas condecorações”.
Lembrou-se o
romancista, isto sim, de uma outra noite festiva em que o rei espanhol D.
Afonso XIII, o último Bonbon reinante antes da proclamação da república
espanhola avô do atual rei Juan Carlos, após entregar, no Palácio Real de
Madri, ao filósofo D. Miguel de Unamuno, e o colar de D. Afonso, ao ouvir do
autor de Del Sentimiento Trágico de la Vida, estas palavras:
“- Agradeco a V. Majestade
a condecoração que acabo de receber e a mereço.
E o rei, com
estranheza:
-
É curioso, Senhor Unamuno, todos aqueles a quem tenho agraciado dizem sempre
que não merecem essa distinção real.
Ao
que Unamuno replicou:
- E
têm razão, Majestade.” (Ob. cit. pp. 135-6)
Conclui
a narração daquele curioso incidente o nosso narrador.
“Ao empossar-se na Academia
Francesa, aludiu Cocteau em seu discurso à espada que lhe pendia da cintura e
terminou reconhecendo que os amigos há tinham oferecido para que, com ela, se
defendesse contra si mesmo.
“Quem sabe se não
foi essa também a intenção do Governo de Portugal ao conferir a Agripino Grieco, com tanto
acerto, a comenda de Santiago da Espada?” (Ob. cit. p. 138)