M. Paulo
Nunes
Retomamos hoje o fio da meada para continuar as histórias do escritor
Josué Montello. À proporção que prosseguimos na releitura lenta do Diário da
Tarde, com algumas anotações que já ocupam três páginas, no final deste
exemplar da Nova Fronteira, referente a dez anos de sua vida, ou seja, de 1957
a 1967, verificamos ser este um dos mais densos de sua história política e
social, porquanto o autor de Janelas Fechadas aborda nele o período
sombrio da ditadura militar, relatando toda a miséria moral daquela época, a
que assistiu de perto com o duro tratamento infligido ao ex-presidente
Juscelino Kubitsckek, sobre o qual falaremos noutra parte.
Hoje quero referir-me a um episódio mais recuado de nossa história política,
o da chamada República Velha, em que a contenda política levava seus
protagonistas a uma linguagem tão virulenta que não respeitava sequer a
dignidade das pessoas nela envolvidas. Não sei se hoje melhoramos alguma coisa.
Acho que melhoramos, sim, pelo menos no que se refere à linguagem dos nossos
jornais, mesmos os da Província. Por outro lado, em nossos dias, houve uma
evolução, no que tange ao sentido ético da profissão e os órgãos da justiça
disporem de um arsenal de medidas inibidoras de certos comportamentos
anti-sociais dessa classe.
O episódio diz respeito ao escritor Humberto de Campos que foi, como
todos sabem, representante de seu estado natal, o Maranhão, no Congresso
Nacional. Naquela época, a representação política era constituída em grande
parte por homens de letras, como foi o caso do então consagrado autor de Carvalhos
e Roseiras, de quem hoje pouca gente fala, mas teve grande notoriedade
naquela época, isto é, até a Revolução de 30, que lhe cassou esta prerrogativa.
O mesmo ocorreu com o escritor Gilberto Amado, que integrava àquela época a
representação de Sergipe, primeiro, como Deputado e depois, na condição de
Senador como Senador e era figura do maior realce em nossas letras, como
conferencista, romancista, ensaísta e memorialista. Hoje também ninguém mais
fala nele. Mas vamos ao episódio.
Diz o autor de Janelas Fechadas, em nota de 12 de fevereiro
(1964) que Humberto de Campos tinha uma grave queixa do Maranhão, que não
escondia ou dissimulava. “Mágoa da luta política, acrescenta ele que vai dos
extremos, mas também pode alterar-se, passando da injúria mais candente ao
louvor mais fervoroso.”
Encontrou o romancista, na Biblioteca Pública de São Luis, dentro de um
dos livros de Humberto de Campos, o recorte de um jornal maranhense, de 22 de
outubro de 1928, que dizia:
“Embaracou
no Rio, com destino a esta capital, o indesejável chefe da pornografia
nacional, o celebrado Conselheiro XX, cuja pena asquerosa e impudente assombra
a as gerações de hoje, envergonhando-as – e que há de ser, às gerações futuras,
o exemplo típico da degenerescência de um caráter. O Maranhão vai ter, pois a
grande desdita de hospedar o filho degenerado que lhe emporcalha o nome em cada
segundo de sua maltrapilha existência.”
E conclui no mesmo diapasão, apenas aumentando o tom do insulto, com
palavras do mais baixo calão.
Seis anos depois, ao falecer o cronista, o mesmo jornal, na mesma
página, em duas colunas tarjadas, assim presta sua homenagem ao pranteado
escritor: “O Maranhão acaba de sofrer mais uma perda irreparável. Ontem era
Coelho Neto, o escritor universalista que tão alto soube, no mundo das letras,
elevar o nome da nossa terra. Hoje, é Humberto de Campos. Dois grandes
talentos, dois grandes espíritos, duas grandes figuras que desapareceram no
mundo para se reunirem na imortalidade.”
“Dizem as Escrituras, conclui o nosso autor, que o salário do pecado é a
morte. Sim. De acordo. Mas o salário da
morte é o louvor.”
Acrescenta ainda que a nota de 1928 “foi escrita por um velho político,
com o azedume da represália. A de 1934 foi escrita por um ginasiano, a pedido
do mesmo político: eu.” (Ob. cit., p. 469)