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EVOCAÇÃO DE JOSUÉ MONTELLO
20/01/2011 00:10:17


M. Paulo Nunes

 Há escritores que permanecem um mistério para os leitores de sua época. Marcel Proust, por exemplo, que trouxe talvez a maior contribuição à técnica do romance contemporâneo, tem sempre em sua vida e em sua obra alguns desvãos que os estudiosos não conseguiram até hoje desvendar. André Gide também a respeito de quem há pouco escrevi, quando abordei o problema da teoria do romance, é outro cuja vida e cuja obra continuam sob alguns aspectos impenetráveis. Charles Morgan, igualmente de quem falei há pouco na Academia, a propósito de seu romance fundamental – Sparkeanbrook que chegou a suscitar até um debate filosófico, dadas as características daquele romance, de caráter platônico, de cuja discussão Celso Barros foi a figura central.

Josué Montello, há pouco desaparecido e de quem falei, no dia de seu desaparecimento, na sessão ordinária do Conselho de Cultura, para prestar-lhe, pela sua passagem a homenagem de minha admiração, ao contrário de todos os que aqui referi, se constitui sempre, ao longo de uma vida e de uma obra das mais significativas de nossa literatura e da própria cultura brasileira, uma personalidade translúcida.

Tendo estreado, Janelas Fechadas, em 1947, quando o chamado romance de 30 ou de documentação social da vida nordestina ainda, era considerado o grande repositório da vida brasileira, motivo de inspiração que ainda era da geração subseqüente, como Norberto Sales, com Cascalho, por sinal que um grande livro, ou o piauiense Permino Asfora, com Noite Grande  e Fogo Verde, preferiu o autor de Labirinto de Espelhos enveredas por outro caminho, o do romance urbano. Este já possuía notáveis antecedentes em Manuel Antônio de Almeida, com as Memórias de um Sargento de Milícias, que considero fundador da nossa romancística, tal a força e o poder de expressão dessa narrativa, no romantismo, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, como seus admiráveis perfis de Mulheres (Senhora, Diva, Lucíola e tantos outros), Machado de Assis, o maior de todos eles, Lima Barreto e Marques Rebelo.

Josué Montello inicia assim por esse caminho a sua trajetória de romancística, dos maiores de nosso país e de nosso tempo, ao reconstruir “o viver e crer”, como diria Alexandre Herculano de uma cidade das mais representativas de formação social do Brasil, São Luís do Maranhão. E assim nos lega uma obra monumental, em que não são poucos os momentos de grandeza, através de obras que constituem hoje patrimônio daquela cidade, com a sua paisagem histórica, patrimônio que são da cultura brasileira.Dentre elas merecem especial destaque Os Tambores de São Luís, por nele haver fixado a história da escravidão negra, no Brasil, em um de seus locais de maior presença. Através do velho Damião, fixa ele o perfil de três gerações de afro-descendentes. Iniciando-se quando vai o protagonista assistir ao nascimento do neto, reconstitui no espaço de um dia a vida e os mo.... de uma comunidade das mais ricas em valores humanos, fértil em acontecimentos e episódios que fundamente a marcam no decurso do tempo. A Noite sobre Alcântara, com o qual reconstitui a cidade histórica do outro lado da baia de São Marcos, outra obra-prima sua: Os Degraus do Paraíso; A Longa Vida do Major Taborda, Pedra Viva, e muitos outros. Constituem as mais perfeitas realizações literárias no domínio da arte romanesca daquele que, pelo estilo literário, certamente se alteia até Machado de Assis e aos cânones da língua portuguesa. Aliás, não é minha apenas esta opinião. Manuel Bandeira já o disse ser esta a primeira qualidade Josué Montello, revelada desde as primeiras linhas. Uma escrita que como a de Machado de Assis, pouco passada a limpo. Ou a de Wilson Martins ao considera-lo o único escritor contemporâneo aparentado com o autor de Dom Casmurro.

Como diria Alceu Amoroso Lima, com os seus romances, “a exemplo de José de Alencar, vai abraçando, aos poucos, toda a realidade brasileira.”

Mas não podemos deixar de referir nesta nota breve e de saudade a presença do ensaísta e do memorialista. Neste traçou o mais perfeito panorama da vida literária brasileira, com a sua prosa diarística, constituída dos volumes Diário da Manhã, Diário da Tarde, Diário do Entardecer e Diário da Noite Iluminada, cerca de três mil páginas dedicadas à nossa história literária. Com a sua erudição, o seu “savoir faire” ,  a sua sabedoria, vai traçando, com mão de mestre,todo um vasto painel da nossa história literária. A eles também se incorpora o último e delicioso volume editado pela Academia Brasileira – Encontro com Meus Mestres, o resumo de suas leituras fundamentais, ao recolher nele a lição de seus mestres ao longo de sua formação literária. 

A esse painel não poderia também faltar o ensaísta e o biógrafo com os livros Memórias Póstumas de Machado de Assis, Aluísio de Azevedo e a Polêmica d’ O Mulato e o Presidente Machado de Assis, em que traça o retrato do Presidente da Academia Brasileira, que ele dirigiu em vida.

Talvez se entretanto do autor de saudade de O Baile de Despedida, nesta hora de saudade, há que não esquecer sua pessoa humana das mais fascinantes e agradáveis. Estive com ele, em várias oportunidades e jamais esquecerei sua conversa enriquecedora e seu convívio educado. Era um dos espíritos de maior encanto pessoal. É de louvar-se ainda como complemento de sua vida pessoal, a figura de D. Yvonne Montello, sua doce companheira de toda ávida. A última vez que com ele estive foi há cerca de três anos, no famoso “chá das cinco”  da Academia, antes da conferência que ali iria proferir Celso Barros sobre o piauiense Deolindo  Couto, em seu centenário de nascimento. Foi este um instante raro do mais agradável convívio literário e afetivo que guardo intacto na lembrança nesta hora de saudade do mestre encantador.




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