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ESCREVER É CONFESSAR- SE
20/01/2011 00:10:16


M. Paulo Nunes

 O primeiro volume dos Cadernos de Lanzarote, de José Saramago, reeditado pela Companhia das Letras, em 1994, mantida por exigência do autor a ortografia portuguesa, foi-me trazido, em uma de suas viagens a Brasília pelo velho amigo Celso Barros. Por conta dessa gentileza perdeu o avião em que embarcaria, ficando naquela cidade sem bagagens como Jacinto, o príncipe da Grã Ventura, e Zé Fernandes, seu amigo, como nos conta o grande Eça em A Cidade e as Serras.  Há ali uma nota do autor de Memorial do Convento que me causou alguma impressão.

Com a data de 17 de fevereiro (1995) diz-nos em seu diário aquele autor:

“A mim estas coisas assombram-me, quase me deixam sem palavras, e desconfio que as poucas que restam não serão mais apropriadas. O rapazito que andou descalço pelos campos de Azinhaga, o adolescente de fato- macaco que desmontou e tornou a montar motores de automóveis, o homem que durante anos calculou pensões de reforma e subsídios de doença, e que mais adiante ajudou a fazer livros – e depois se pôs a escrever alguns – esse homem, esse adolescente acabam de ser nomeados Doutor honoris causa pela Universidade de Manchester. Lá irão os três em Maio, a receber o grau, juntos e inseparáveis, porque só assim é que querem viver.  Tão inseparáveis e juntos que, mesmo agora, quando estou a procurar as palavras certas para deixar notícia do afago que me fizeram, estou também de forquilha na mão a mudar a lama aos porcos do meu avô Jerônimo e a rodar válvulas num torno de bancada. Benedetto Croce dizia que toda a História é história contemporânea. A minha também.” (Ob. cit. p. 484)

Alguns amigos mais próximos vêm insistindo comigo para que escreva as minhas memórias, mas a isto venho resistindo, na medida do possível. Isto porque, como tenho escrito bastante (discursos acadêmicos, elogios e principalmente artigos de idéias e de crítica literária), que regularmente aparecem em jornais, livros e revistas literárias, excepcionalmente fora de nossa terra, e a acreditar na opinião de Johan Wolfgang Goethe, todas as obras que escrevemos até hoje nada mais são do que fragmentos sucessivos de uma grande confissão.  Então, muita coisa do que eu poderia dizer nessas memórias já está implicitamente contida nesses escritos.

Além do mais, quando se fala no assunto, sempre me lembro daquela observação do velho Eça, num rasgo de falsa modéstia: sou como a república de Andorra. Não tenho biografia.

Sobre o tema (memórias) o modelo que nos vem à mente são as Confissões de Sto Agostinho e as de Jean-Jacques Rousseau, que deram ao gênero uma dimensão universal.

Acresce que, como aqui já o dissemos, há que fazer-se a necessária distinção, baseada em opinião idônea, no caso a do saudoso mestre do romance brasileiro, Josué Montello, quando observa que a verdade histórica é uma, nos diários, e outra, nas memórias. E cita o julgamento que faz o poeta Paul Claudel, quando Embaixador da França, no Brasil,  de uma das maiores figuras da cultura brasileira, Rui Barbosa: numa, chamando-o de inseto, dado o seu aspecto físico mirrado, e noutra, ou seja, em suas memórias, dando-lhe a reverência que merece o seu papel de homem público e figura prominente de nossa cultura. Assim, o mero acerto de contas, mesmo na prosa diarística, onde seria mais adequado, como o fez o nosso Humberto de Campos, em seu Diário Secreto, talvez por ser secreto, ao menos por algum tempo, não caberia a rigor num livro de memórias que, pela sua natureza, não seria o veículo indicado para fazê-lo. Valha-nos o exemplo do romancista citado de início, em seu Diário, e o celebrado autor do Anúncio Feito a Maria (L’annonce fait a Marie), em suas Memórias.

 Em nossa literatura o modelo perfeito desse gênero literário continua sendo Minha Formação, de Joaquim Nabuco, que podemos destacar a página antológica e de fato está ela em todas as antologias do passado, Massangana, que fica ressoando em nossos ouvidos para todo o sempre, como aquelas palavras do autor de Um Estadista do Império, na obra em referência.

“De todas essas impressões nenhuma morrerá em mim. Os filhos de pescadores sentirão sempre debaixo dos pés o roçar das areias da praia e ouvirão o ruído da vaga. Eu por vezes acredito pisar a espessa camada de canas caídas da moenda e escuto o rangido longínquo dos grandes carros de bois...” (Ob. cit., p. 158 – edição do INL).




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