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Notícia

EÇA E VERGÍLIO FERREIRA
20/01/2011 00:10:14


M. Paulo Nunes

 Ao visitar Portugal pela segunda vez, em 1983, no terrível frio de fevereiro, para participar de um congresso de professores de literatura de expressão portuguesa, também como convidado especial, como da primeira vez, assisti, no Clube Ginástico Português, no Chiado, a uma longa exposição do arquiteto Campos Matos, denominada “Imagens do Portugal Queiroziano”, que depois resultaria num belo livro sobre Eça, com aquela denominação. Campos Matos, que posteriormente se tornaria celebridade eciana, mais uma das que existem em Portugal e no Brasil, autor ainda do famoso Dicionário de Eça de Queiroz, viria ao Brasil por duas vezes, para participar das comemorações promovidas no Recife e na cidade de Goiana, em suas imediações, graças ao empenho do historiador piauiense e eciano ilustre, Dagoberto Carvalho Jr., que já possui uma longa bibliografia sobre o autor dos Maias, a primeira das quais para participar do sesquicentenário de nascimento e a segunda, das comemorações alusivas ao centenário do silêncio do criador de Fradique Mendes, no ano de 2000. Ocupa ele função de relevo na Sociedade dos Amigos de Eça de Queiroz, criação originária do grande ensaísta pernambucano e homem de idéias Paulo Cavalcanti, que acresceu à bibliografia eciana um livro admirável, Eça de Queiroz, Agitador no Brasil. Hoje, Dagoberto a preside com aquela elegância e competência que lhe são peculiares, e tem a ajudá-lo figuras de renome, como o legendário engenheiro Pelópidas Silveira, ex-prefeito do Recife e ex-vice governador de Pernambuco, nos tempos de Arraes, de Gladstone Vieira Belo, diretor  do Diário de Pernambuco, de José Quidute e outras figuras gradas, e a que também pertenceu o inolvidável mestre Fernando de Mello Freyre, de saudosa memória, nome que evoco com a mais funda saudade e emoção, porquanto tivemos o privilégio, minha mulher e eu, de privar de sua amizade, amizade esta que esperamos continue na figura ímpar da grande mulher que lhe acompanhava os passos, na aventura deste atormentado planeta, Maria Cristina, e esteve com ele, entre nós, quando lhe prestamos a homenagem do Conselho de Cultura e da Academia, com a realização do seminário sobre o centenário de nascimento do mestre Gilberto Freyre. Também integra aquele seleto grupo de ecianos aí apenas por gentileza dos amigos o obscuro autor desta nota.

Mas, história puxa história, e as do Dagoberto são imensuráveis, pela pessoa que ele é  e pelo cidadão digno, íntegro e correto que sempre foi, e o meu objetivo nesta nota é colher, da prosa diarística de Vergílio Ferreira, uma anotação sua sobre o velho Eça, que se dizia, talvez para impressionar mais os seus leitores “um pobre homem de Povoa de Varzim” e, por conseguinte, não tinha história, era como a república de Andorra.

 Mas, vamos à nota vergiliana que é datada de 6 de setembro do mesmo ano de 1982. Nela o autor de Aparição fala da visita que fizeram, sua mulher Regina e ele, ao famoso palacete de Neuilly, nos arredores de Paris, onde o criador de Carlos da Maia e Ega residiria em Paris, ao final de sua carreira diplomática e de seus dias, e na qual deslumbraria os amigos com a sua verve e a sua elegância, um deles o nosso Eduardo Prado, que lhe serviria de modelo para o personagem Jacinto, da Cidade e as Serras, e nem por isto foi ele preservado da terrível explosão imobiliária que vem destruindo as nossas cidades, pelo que vemos, não apenas as brasileiras. É o caso de invocar o velho ditado deles: “lá e cá, más fadas há”.

“O facto é que não tenho falado do acontecer diário. No equilíbrio da balança entre mim e os outros, começo eu a pesar mais ou a pesar tudo. Em todo o caso. Ontem houve uma sardinhada em casa dos Sena Rego, aqui nas Azenhas do Mar. Estavam os Campos Matos, ele um arquitecto, fanático queirosiano. E como eu sofro da mesma maleita, embora já menos aguda, palrámos proliferamente sobre o nosso grande homem. Campos Matos percorreu todos os recantos onde Eça passou. Soube eu assim alguns lances que ignorava. Por exemplo, antes de ir para Paris, Eça esteve ainda em Londres, ido de Brístol. E soube ainda que a moradia de Neuilly fora arrasada para se construir um prédio enorme de habitação. Fui há uns trinta anos a Neuilly. A casa ainda lá estava. Morava lá então a filha do indivíduo que a ocupara depois de Eça morrer. E como era freqüente a peregrinação de portugueses, a mulherzinha já estava habituada. E mostrou-nos, à Regina e a mim, os três (?) pisos da casa, que era quase um palacete, indicando-nos as divisões que correspondiam à sala, aos quartos, ao escritório. Emocionei-me como era da minha obrigação humana. Revi o Eça na sua escrivaninha alta, a invasão dos filhos que o iam buscar para jantar, as reuniões com os seus amigos, a instantânea presença de todo um passado que morreu e eu tinha na imaginação.” (Ob. cit., p. 107.)