M. Paulo
Nunes
Freqüetemente volto às minhas velhas manias. Uma
delas é a leitura dos clássicos de nossa literatura e de minha predileção,
especialmente Eça e Machado de Assis, nos quais encontro magníficas explicações
para os problemas dos dias presentes. Complemento assim a leitura dos jornais,
que nos mantêm informados das notícias do dia a dia, com os grandes autores que
nos trazem a vida resenhada ou o resumo da condição humana.
Jorge Luís Borges, em seus diálogos com Ernesto Sábato, que resultaram
num belo livro organizado pelo ensaísta argentino Orlando Barone, em 1976 que
agora estou lendo em tradução da Editora Globo (2005), e sobre o qual falarei
mais tarde, comenta a sua ogniza a leitura dos jornais, cujas notícias já estão
desatualizadas no dia seguinte. Depois de depurados pela história e o tempo é
que a notícia adquire notoriedade. Os livros não. Possuem uma atualização
permanente.
Refletindo sobre a crise política que atualmente vivemos, encontro para
ela uma explicação no capítulo final de Os Maias, do velho Eça, obra
emblemática de uma época, quando os dois velhos amigos, Carlos da Maia e João
da Ega, comentam, dez anos depois, os fatos marcantes de suas vidas,
reconhecendo que falharam na vida e se propõem estabelecer uma nova filosofia
para poderem viver em paz e tranqüilidade para dali para a frente. Carlos,
instalado em Paris, como um “príncipe artista da renascença”, segundo palavras
do Ega, graças à fortuna de que é detentor, com a morte do avô, após “aquela
semana terrível”, em que mergulhara em desespero, com a revelação do suposto
incesto com o objeto de sua paixão, Maria Eduarda, retorna ao velho Portugal
para rever as árvores de Santa Olávia, onde passara a infância, na companhia de
Afonso da Maia e rever os amigos de Lisboa, de modo especial o irreverente João
da Ega.
No livro Borges/Sábato, a que acima aludimos, ficou estabelecido entre
os dois, colocados em posição políticas opostas, como regra do jogo, que não se
tocaria nas questões “peronismo” e “antiperonismo”, nem na atualidade política.
“É que hoje em dia as pessoas falam tanto dessas coisas, sentenciou Borges, ao
sugerir essa única exclusão temática. Sábato, avisado desse requisito e embora
o aceitasse com suspicácia, comentou; “Está bem. Embora a política, quando
menos se espera, costume entrar pela janela ou por uma fenda”. (Ob. cit. , pp.
9-10)
Aquele capítulo exemplar é como que um resumo da vida de ambos e vale a
pena resumi-lo um pouco, dada a sua importância no livro.
Em primeiro lugar, a grande notícia que Carlos desejaria dar ao amigo é
a do anúncio do casamento de Maria Eduarda com um vizinho. Vivia ela, então ao
pé de Orleães, desde a dramática separação dos dois, motivada pelas revelações
do tio do Damaso, o Sr. Guimarães, ao fazer a entrega de um cofre deixado por
Maria Monforte, ao morrer, em que declara textualmente a descendência próxima
de sua filha Maria Eduarda com a família Maia, tornando assim impossível a
ligação entre os dois. Todos conhecem a história, não vamos repeti-la. Indagado
pelo amigo que efeito lhe fazia aquela notícia, Carlos respondeu: “- Um efeito
de conclusão, de absoluto remate. É como se ela morresse, morrendo com ela todo
o passado, e agora renascesse sob outra forma. Já não é Maria Eduarda. É Madame
de Trelain, uma senhora francesa. Sob este nome, tudo o que houve fica sumido,
enterrado a mil braças, findo para sempre, sem mesmo deixar memória... Foi o
efeito que me fez.” (Ob.
cit. 2º vol., pp. 465-6)
Depois que reuniram no Hotel Braganza onde almoçaram, os dois amigos
saíram a flanar pelo Chiado, onde se encontraram com velhos conhecidos, um dos
quais o velho poeta Tomás de Alencar, que lhes fez grande festa. Falaram então
gravemente nas coisas nacionais, enquanto Carlos reclamava da ociosidade do
amigo que poderia tentar sai dela para dedicar-se a alguma função importante
que reclamasse o seu talento, como a política, por exemplo que Carlos
considerava ocupação dos inúteis. Pela voz do narrador e seu alter-ego “Ega
trovejou. A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde
que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje
eram bonecos de engonços,que faziam gestos ou tomavam atitudes, porque dois ou
três financeiros por três lhes puxavam os cordéis. Ainda assim podiam ser
bonecos bem recortados, bem envernizados. Mas qual! Aí é que estava horror. Não
tinham feitio, não tinham maneiras, etc. etc...(Ob. cit. p. 467). A diatribe
continua. Como é igual e uniforme esse nosso velho mundo sem porteiras, como
costumam dizer os gaúchos.