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EÇA, ANTES DA ÚLTIMA LEITURA – II
20/01/2011 00:10:12


 M. Paulo Nunes

                    Aquela “Semana terível”, que marcaria tão fundamente os moradores do Ramalhete e os seus habituais freqüentadores durante aqueles dois últimos anos e começa com a revelação trazida ao conhecimento da família pelo Sr. Guimarães, o famoso tio do Damaso, residente em Paris, e íntimo de Maria Monforte, mãe de Maria Eduarda, também causaria aos leitores d’Os Maias, a mais funda impressão.

O episódio culminante daquele drama foi a morte de Afonso, encontrado pelo Baptista, ao fundo, ao pé da cascata, unto à mesa de pedra, e descrito pelo autor da maneira mais discreta e mais singela possível:

“Afonso da Maia lá estava, nesse recanto do quintal, sob os ramos do cedro, sentado no banco de cortiça, tombado por sobre a mesa, com a face caída entre os braços. O chapéu desabado rolara para o chão; nas costas, com a gola erguida, conservava o seu velho capote azul. Em voela, nas folhas das camélias, nas abas areadas, refulgia, cor de ouro, o sol fino de Inverno. Por entre as conchas da cascata o fio de água punha o seu choro lento.” (Ob. cit.  p. 411)

Incumbido por Carlos de comunicar o fato a Maria e tomar com o Vilaça todas as providências para o seu  retorno imediato a Paris, Ega escreveu-lhe a seguinte mensagem, enviada imediatamente à sua residência, à rua de São Francisco : “Minha Senhora. O Sr. Afonso da Maia morreu esta madrugada, de repente, com uma apoplexia. V. Exa. compreende que, neste momento, Carlos nada mais pode do que pedir-me para eu transmitir a V. Exa. esta desgraçada notícia. Creia-me, etc.”

O resto das diligências coube a Ega, por incumbência de Carlos, transmitir a Maria, e ele o fez de forma atabalhoada, como quem tem pressa em cumprir uma  missão dolorosa e difícil, com a revelação de toda aquela tenebrosa história, de que somente agora, graças às surpreendentes revelações do Sr. Guimarães, os seus protagonistas tomavam conhecimento, para concluir afinal: “E nas primeiras palavras que disse (o Sr. Guimarães), imagine o assombro de todos, quando se entreviu que V. Exa. era parenta de Carlos e parenta muito chegada.”  Entregou-lhe e, seguida o cofre contendo os papéis de Maria Monforte, com a declaração do próprio punho, reconhecida por Maria Eduarda, de ser esta neta de Afonso da Maia, o que elimina quaisquer dúvidas sobre o seu nascimento.

“Agora, só mais duas palavras, acrescentou Ega, ao fim daquele doloroso encontro. Carlos pensa que o que V. Exa. deve fazer já é partir para Paris. V. Exa. Tem direito, como sua filha deve ter, a uma parte da fortuna desta família dos Maias que agora é a sua... Neste maço que lhe deixo esta uma letra sobre Paris para as despesas imediatas. O procurador de Carlos tomou já um vagão-salão. Quando V. Exa. decidir partir, peço-lhe que mande um recado ao Ramalhete para eu estar na ga.......  Creio que é tudo. E agora devo deixá-la.

“Agarara  rapidamente o chapéu, veio tomar-lhe a mão inerte e fria:

“Tudo é uma fatalidade! V. Exa. É nova, ainda lhe resta muita coisa na vida, tem a sua filha, a consolá-la de tudo... Nem sei lhe dizer mais nada! (Ob. cit. p. 430)

No dia seguinte, em companhia do Vilaça, na Estação de Santa Apolônia, “Ega correu para Maria Eduarda, conduziu-a pelo braço em silêncio, ao vagão – salão que tinha todas as cortinas cerradas, junto do estribo ela tirou devagar a erva. E muda, estendeu-lhe a mão.

“- Ainda nos vemos no Entroncamento. – Eu sigo também para o Norte.” (Ob. cit. p. 433)

Alguns curiosos pararam ao ver sumir-se, naquela carruagem de luxo, fechada, com ar de mistério, uma senhora que parecia tão bela, de ar tão triste, coberta de negro. E apenas Ega fechou a portila do vagão, o Neves, da Tarde e do Tribunal de Contas, tomou-lhe o braço com sofreguidão:

- Quem é?

-                     “Ega amontou-o pela plataforma para lhe deixar cair ao ouvido, já muito adiante:

- Cleópatra!

O político, furioso, ficou rosnando: “Que asno!”

Vilaça também ficou deslumbrado com aquela figura de Maria Eduarda, “tão melancólica e nobre. Nunca a vira antes e parecia-lhe uma rainha de romance.”

“- Acredite o amigo, fez-me impressão! Caramba, bela mulher! Dá-nos uma bolada, mas é uma soberda  praça!” (Idem)

No entroncamento Ega veio bater-lhe nos vidros do salão que se conservava fechado e mudo. Trocaram poucas palavras.

“-Vai para o Porto? Murmurou ela.

- Para Santa Olávia.

- Ah!

Então Ega balbuciou, com os beiços a tremer:

- Adeus.

Ela apertou-lhe a mão com muita força, em silêncio, sufocada.

“... À porta do bufete voltou-se ainda, ergueu o chapéu. Ela, de pé moveu de leve o braço num lento adeus. E foi assim que ele, pela derradeira vez na vida, viu Maria Eduarda, grande, muda, toda regra na claridade, à portinhola daquele vagão que para sempre a levava.” (Ob. cit., p. 434)

 




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