M. Paulo Nunes
A imagem que me vem
à mente, neste instante, é ainda a do velho Senador Milton Campos, objeto de
nosso comentário anterior. Como era ele
também, como nós outros, leitor compulsivo, dizem que costumava lamentar-se,
com freqüência, do acúmulo de livros em seu escritório à espera do momento de
lê-los, obrigação esta adiada por falta de tempo, o que lhe causava o mesmo
remorso que a todos acomete pelos livros não lidos ou no caso de quem escreve,
os assuntos sobre os quais não se escreve.
E aí é aquele
desfilar de casos e situações de que a consciência nos acusa, a consciência,
tão presente em cada um de nós que é capaz de nos levar para o inferno, como
observa Rachel de Queiroz.
Um dos remorsos que
guardo comigo, talvez para sempre, é o de não haver escrito ainda o estudo
definitivo que pretendia sobre Marcel Proust, sobre Eça ou ainda a respeito de
Jorge Luis Borges, o primeiro deles, leitura de grande parte da vida, e os dois
outros, autores de cabeceira. Ou ainda sobre Vergílio Ferreira, representante
maior do romance português contemporâneo, com quem cheguei ainda a
corresponder-me, a propósito de pequenas notas de crítica que lhe dediquei e a
quem prometi fazer tal estudo, que entretanto, não fiz nem mais o farei, ao que
suponho.
Dos contemporâneos
ainda, com quem convivi, em certa fase da vida, ainda estou a dever um estudo
sobre o saudoso poeta Domingos Carvalho da Silva, expoente da geração de 45,
com quem convivi em Brasília, quando cumpri ali o meu exílio voluntário. Ou
ainda por conta da boa convivência naquela cidade, estudo sobre os poetas e
excelentes amigos Anderson Braga Horta (que grande poeta!) e Antônio Carlos
Osório, figuras que dignificam a alta poesia em língua portuguesa. Anderson,
além do mais, escreveu notável estudo, dos melhores que já li, sobre Da Costa e
Silva.
O que nos absolve em parte da angústia de nada
ter feito para saldar esses compromissos é o fato de Jorge Amado, e era Jorge
Amado, ter anunciado, durante muito tempo, seu famoso romance Boris, o Vermelho, que jamais escreveu. Da mesma forma Aníbal Machado,
animador da vida literária no Rio, nos idos de 1950, e autor daquela obra-prima
do conto brasileiro: “A Morte da Porta-Estandarte”, de seu livro, no gênero, Vila Feliz, anunciou durante toda a vida
o romance João Ternura, do qual
chegou a divulgar vários capítulos, nos jornais literários, e nunca pôde
publicá-lo.
O próprio Eça de
Queiroz, e era Eça, anunciou como plano de romances, em sua carreira literária,
uma espécie de comédia humana portuguesa, com o título de “Cenas da vida
portuguesa”, a exemplo do que fizera Balzac com a sua monumental comédia humana
em relação à sociedade francesa de sua época. Desse propósito resultou apenas Os Maias, que publicou com o subtítulo
de “Episódios da vida romântica”.
Assim, não há coisa
mais mutável e vária do que a vida literária e os seus mais solenes
compromissos. Para a literatura talvez coubesse aquela caracterização do
italiano para as mulheres: “la donna è
mòbile”!
Bandeira, em um
poema, tentando captar a essência da vida ou a passagem do tempo, diz que ”a
vida, passa... a vida passa/ e a mocidade vai acabar”. Que fazer?