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DAS OBRIGAÇÕES NÃO CUMPRIDAS
20/01/2011 00:09:47


M. Paulo Nunes

 Cumpridas algumas obrigações funcionais que não sei se ainda se justificam a essa altura da vida (talvez não), peguei num livro da prosa diarística do Vergílio Ferreira, romancista português que esteve em voga durante um largo período da moderna literatura portuguesa, falecido em 1º de março de 1996, sobre quem cheguei a escrever alguns pequenos ensaios, posteriormente incluídos em meu livro Modernismo & Vanguarda – 1ª série (1996)

Dele recebi, pouco antes de sua morte, uma carta manuscrita que cheguei a transcrever em sua homenagem, num dos artigos posteriormente publicados, depois de decifrar-lhe, com alguma dificuldade, a grafia difícil. Nela, o escritor agradece o meu interesse por sua obra e me transmite o grande interesse que ela vinha despertando, como objeto de teses e estudos, não apenas no Brasil e em Portugal, como ainda, na Espanha e em França, como eles dizem em Portugal. Na carta me diz ele, textualmente: “Muito grato obviamente lhe ficarei se tais meus livros lhe vierem a ser motivo de um longo ensaio.” Tais estudos lhe foram enviados “pelo nosso amigo comum” Alberto da Costa e Silva, segundo suas próprias palavras, naquela correspondência.

 Assumi assim moralmente essa obrigação, mas até hoje não a cumpri integralmente. Primeiro, porque não seria eu a pessoa indicada para tão arriscada empresa. Segundo, em razão de nossa velha protelação brasileira de deixar sempre para amanhã aquilo que muito bem pode ser feito hoje. Mas, como pretendo ainda, se a “indesejada das gentes” do famoso poema de Bandeira (“Consoada”) o permitir, publicar alguns estudos a que eu denominarei de pensamento vivo de alguns autores de minha leitura habitual, outros, não mais, como Eça, Machado de Assis, Borges, Vargas Llosa, Saramago e alguns mais, como o próprio Vergílio Ferreira, cuja leitura agora retomo, nele incluiria o autor de Manhã Submersa, de modo especial colhendo algumas reflexões primorosas de sua prosa diarística. Ele, que se vem revelando, pelo menos para o meu gosto, um dos mais intensos e profundos pensadores da literatura portuguesa, aquela face dessa literatura que é pouco lembrada, como o seu aspecto confessional,mais notável na francesa.

Com Graciliano Ramos creio já ter cumprido parte do meu débito, ao publicar, há uns dois anos, no cinqüentário de seu silêncio, meu livro A Lição de Graciliano Ramos, um livrinho razoavelmente bem aceito por leitores que por ele se têm interessado. A esse novo livro intitularia, de forma um tanto machadiana, porquanto retirado de uma frase sua, “Entre a Espiga e Mão”, tendo como subtítulo a expressão: “Ensaios Impopulares”, que é o título de um dos livros de Bertrand Russell. A frase completa do velho Machado é esta: “Entre a espiga e a mão há sempre o muro”.

Para concluir a nota, vamos a um texto do Vergílio Ferreira, extraído de sua prosa diarística, Conta-Corrente – IV, (Bertrand Editora) pelo que ele representa de coerência do intelectual, especialmente nos dias que correm:

Em nota de 29 de julho (1982), após um colóquio com professores franceses sobre a sua obra, diz-nos o autor de Estrela Polar: “E agora que o recordo, reflito uma vez mais que o homem cristaliza a sua vida em torno das ideias que angariou até aos trinta ou quarenta anos. Daí me vem a impressão que não tenho já nada a ler. Um diálogo se estabelece entre as nossas tendências e o que o tempo nos propõe. Desse confronto nasce um acerto de nós com os mais e daí nascem as duas ou três idéias que nos governam a vida. Nós somos o que somos, mais o que mil acidentes nos despertam para sermos em consciência ou conseqüência. E tudo o mais que daí sobeja é só a espera da morte. O que nos contraria o que já somos, o que em conclusão vimos a ser, raro nos muda o pensar, porque apenas o movimenta para superar a contrariedade, para nos repor no que somos, absorvendo e vencendo a contradição. E isso agrava-se quando, como eu, se tem uma vocação sedentária – desde as ideias que se têm ao sofá em que se instala o viver quotidiano. Assim Lisboa é para mim uma cidade sedentária e só bairro em que vivo era-me cidade bastante. E quanto ao planeta em que vivo, era-me bastante um satélite invisível de todo o nosso sistema solar. (Ob. cit. p. 83)

 




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