M. Paulo
Nunes
A presença do médico e escritor Dagoberto Carvalho entre nós é uma festa
para seus amigos.
Desta feita, veio ele através de Oeiras, a legendária e cívica
ex-capital, onde participou das solenidades alusivas ao 24 de janeiro, data em
que sua gestão como operoso presidente do Instituto Histórico de Oeiras, era
solenemente festejada, inclusive, com o lançamento da revista do Instituto,
hoje inexplicavelmente desativada. Não tivemos tempo de uma conversa mais longa,
porquanto, apesar de haver ele marcado um almoço comigo e o Celso Barros, tal
não foi possível, em razão de compromisso anterior do Celso com a Academia de
Letras e Ecologia, de sua terra natal, Pastos Bons, no Maranhão, por ele recém
criada.
Com a frustração do rega-bofe, ao qual também estive impossibilitado de
comparecer, por motivo de doença em casa, contentamo-nos com uma rápida
conversa que seria complementada por uma outra, por telefone, durante as quais
pudermos dar continuidade a velhos assuntos literários, um dos quais em torno
do criador do Primo Basílio, como não poderia deixar de ser.
Dagoberto, eciano compulsivo, ou queiroziano assumido como dizem os
amigos portugueses, estará dentre em breve com um novo livro na praça, cujo
tema é ainda o autor de A Cidade e as Serras de que é prefaciador o que
escreve estas linhas, e possui um título magnífico, inspirado nesse livro: Da
Janela de Tormes. Constitui-se a obra em tela da bela conferência proferida
no IV SALIPI, que é hoje um dos acontecimentos centrais da cultura piauiense,
sobre a influência de Eça no tema, este que domina, com a mais alta
proficiência, pois é ele uma das maiores autoridades no assunto, não somente no
Brasil como do outro lado do Atlântico, na terra do criador de Fradique Mendes.
Além dessa matéria, há ainda um estudo sobre o poeta Luiz Lopes
Sobrinho, seu conterrâneo do Ipiranga, quando essa cidade integrava a velha
urbes, ainda de várias notas e pequenos ensaios sobre Eça e outros assuntos
correlatos, resultantes de artigos publicados na imprensa pernambucana, ou
seja, no velho Diário de Pernambuco, de que é colunista permanente.
Entusiasmei-me tanto com o autor e a sua matéria que terminei por dedicar-lhe
um de meus mais longos prefácios jamais escritos até hoje.
À falta do almoço, à boa moda
portuguesa, certamente regado com o bom vinho da terra, não aquele da velha
cepa dos tempos de Eça, porém de extração, mais recente,como sempre fazemos
para animar a conversa, tanto aqui, quanto no Recife, lá, é claro, com melhor
categoria, contentamo-nos apenas com a boa conversa, que esta é também um bom
prato.
Os temas eciano foram mais uma vez repassados. De igualmente modo a
evocação dos amigos e da boa convivência da Sociedade dos Amigos de Eça de
Queiroz, que ele preside ali com a maior competência, e se reúne
periodicamente, em torno de um jantar, à maneira dos “Vencidos da Vida”, no
Hotel Braganza, em Lisboa, na última década do século XIX.Ali o cardápio é
retirado da obra de Eça, que era um gastrônomo de mão cheia. É ela, no gênero,
uma das mais antigas do país, fundada por Paulo Cavalcante, na década de 40,que
dedicou ao autor das Farpas um livro fundamental – Eça de Queiroz, Agitador no
Brasil. Conclui, de minha parte, a propósito das alusões que fizemos na
conversa a fatos, figuras e acontecimentos encontráveis na obra de Eça e parece
que retirados de nossa vida republicana, que não é a arte que imita a vida,mas
esta que inspira aquela.
Vai aqui um deles, pinçado, ao acaso, da Ilustre Casa de Ramires, e com
o qual encerro por hoje esta nota eciana e também, et pour cause, dagobertiana.
No esforço para reconstituir o passado de sua gente com a força que esta
possuía na época retratada, explica o narrador e protagonista Gonçalo Mendes
Ramires a sua impossibilidade.
“Que diabo! Sob o reinado do horrendo S. Fulgêncio, ele não poderia
desmantelar o solar de Baião, desmantelado há seiscentos anos por seu avô
Leonel Ramires – nem retomar aos mouros essa torreada Monforte, onde o
Antoninho Moreno era o lânguido Governador Civil!” (Ob. cit. p. 59)