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CLÉRIGOS E CIDADÃOS
20/01/2011 00:09:39


M. Paulo Nunes

 Já me referi ao assunto, mais de uma vez, talvez não nesta coluna, mas em publicações anteriores, sobre o magno problema que ora aqui me traz, retomando depois de alguns dias os escritos semanais que me têm ocupado, de algum tempo a esta parte, no Diário. Trata-se da famigerada discussão, no âmbito da literatura, entre “clérigos” e “cidadãos” que vez por outra aflora nas discussões literárias a respeito dessas duas opções dos intelectuais.

Quem abordou o assunto, pela primeira vez, foi o escritor francês Julian Benda, em sua obra famosa La Trahision des Clers (A Traição dos Clérigos), na qual reclama para o escritor uma posição neutra em relação aos conflitos sociais de nosso tempo, afastando-se da política e do debate de outros assuntos públicos atuais, para consagrar-se exclusivamente à sua arte, como se ela fosse um universo à parte ou a torre de marfim em que vivem os  puros espíritos. Talvez haja um pouco de caricatura no que estou dizendo, mas creio ser exatamente esta a gênese de sua posição.

De outra parte, o poeta norte-americano Archibald MacLeish, assessor cultural do Presidente Roosevelt, servindo na Biblioteca do Congresso, de 1939 a 44, em seu livro Os Irresponsáveis, adota posição diametralmente oposta àquela.Para ele, o escritor não vive exclusivamente para sua arte, mas, ao contrário, como cidadão e vivente de um tempo conturbado, no qual o indivíduo é permanentemente acossado pelos duros problemas sociais de sua época, não poderá, como cidadão, fugir ao debate das questões que, de resto, são os problemas de qualquer tempo ou lugar. É claro que a arte não pode nem deve servir a um partido político, como muitos já o fizeram, inclusive e principalmente entre nós. Jorge Amado, por exemplo, um dos nossos maiores romancistas dos tempos atuais, largamente o fez, em seu livro Os Subterrâneos da Liberdade, em que conta as lutas e as peripécias vividas pelos líderes e militantes do Partido Comunista, de que depois viria posteriormente a afastar-se, escrevendo obras marcantes da moderna literatura brasileira, também escritas na fase anterior, como Jubiabá, Terras do Sem Fim e Capitães da Areia.

Assim, o que fazer? Na extinta União Soviética surgiu, no auge da “guerra fria”, no confronto entre as duas superpotências (Estados Unidos e URSS), um cidadão de triste memória, chamado Zdanov,  ditando a seus ventríloquos uma nova teoria literária, a serviço da arte totalitária comunista, uma espécie de receita a que deveriam obedecer,como a última palavra, em matéria de arte, todos os escritores membros do Partido (aqui o chamado “Partidão”), em todas as latitudes. Foi um desastre do ponto de vista artístico. Graciliano Ramos, filiado ao PC, mas, como cidadão, um caráter independente, quando lhe falaram no assunto, retrucou à sua maneira: “Zdanov é um cavalo!” E seguiu fazendo os seus romances da maneira que lhe aprouvesse.

Em resumo, o escritor, o romancista, o ensaísta, o poeta é livre para retratar o que quiser. Somente não poderá fazê-lo a serviço de qualquer seita, partido ou ideologia, seja de que natureza for,  porquanto o romancista, como intérprete da vida, só pode exercer seu ofício com inteira e absoluta independência, guiado apenas pelo gênio de sua invenção artística. O mais é estreiteza moral dos que se julgam donos da verdade, ou seja, da sua verdade particular ou partidária, que desejariam impor a todos os viventes, inclusive aos artistas, intelectuais que são,  por natureza, as criaturas mais insubmissas do mundo em que vivemos.

Fica em tudo a lição de escrever do velho Graça, como declara em carta à irmã que quer publicar um romance: “Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos... Arte é isso.” Esta a lição de quem soube escrever como uma irrestível vocação.     




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