M. Paulo
Nunes
Afrânio Peixoto, que teve atuação efetiva em nossas letras, nas
primeiras décadas do século XX, seja como professor, romancista, cientista,
ensaísta e crítico literário, a propósito do renome artístico, literário ou
científico, observa que a glória é ser conhecido por aqueles que não
conhecemos.
Meu velho amigo Celso Barros, companheiro de geração, pois iniciamos
juntos a carreira profissional, no magistério secundário e superior, se
constitui num desses eloqüente exemplo dessa assertiva.
Tendo nascido casualmente no Maranhão, na cidade de Pastos Bons, onde
atualmente edita uma revista de cultura, por ele e outros amigos fundadores,
foi aqui entre nós que se enraizou, tornando-se uma das melhores referências
culturais de nossa terra e hoje fora daqui.
Formado em Direito, pela nossa velha Faculdade de Direito do Piauí,
então o único instituto de ensino superior existente, porquanto só muito depois
se criariam as Faculdades de Odontologia, de Medicina e de Filosofia, a que posteriormente se agregariam
novos cursos, com a criação da Universidade Federal do Piauí, em cujo projeto
também estivemos engajados, em seu início, nossos caminhos foram parelhos na
atividade docente e na vida cultural.
Participamos de várias atividades culturais com o a criação do Clube dos
Novos, da Secção Estadual da Associação Brasileira de Escritores – ABDE, num
período de profunda agitação política no país, com o ominoso projeto de
extinção dos mandatos dos deputados comunistas, e a cassação do registro desse
partido em 1947 e dos mandatos eletivos de seus representantes, no Congresso
Nacional.
Com o golpe militar de 1964 e o crepúsculo das liberdades democráticas e
das franquias republicanas, foi ele destituído, por seus próprios colegas, do
mandato parlamentar que lhe outorgara o povo piauiense, em memorável eleição.
Celso foi uma das pessoas com quem tive a maior convivência em minha
geração. Não apenas um convívio afetivo dos mais enriquecedores para mim, como
ainda na área do pensamento, dado que fizemos praticamente leituras comuns, não
direi de autores jurídicos, entre os quais é ele um dos “experts”, mas no
educacional,como Anísio Teixeira, que permeou a educação brasileira por todo o
século XIX, e embora não tendo sido, em nenhuma oportunidade, ministro da Educação, o que foi uma pena,
várias de suas idéias estão sendo postas em prática, como a escola de tempo
integral e a municipalização do ensino fundamental, com o aporte de
substanciais recursos para sua execução.
Na mesma linha eu citaria ainda Fernando de Azevedo, o relator do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado no auge da renovação
educacional dos anos 30.
Há que destacar em Celso também o pensador, o homem atento ao pensamento
social e político de seu tempo, como uma extensão de seu ministério de advogado
militante.
No particular teve ele a intuição de aliar-se àqueles juristas e
pensadores que, convivendo em nosso país com instituições peremptas ou
velhos palimpsestos ainda com o cheiro
da Idade Média, na área civil, criminal ou comercial, soube enxergar o futuro e
propor novas formas de renovação do nosso arcabouço jurídico e político mais
afim com as idéias novas. Não foi assim sem razão que ocupou ele, na reforma do
Código Civil Brasileiro, o importantíssimo posto de relator da parte das
sucessões naquele documento, na condição de Deputado Federal.
Ao receber agora do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a
consagração maior de sua carreira de um dos maiores advogados do país ou de
seus operadores do direito, numa sociedade tão injusta e de uma justiça
vergonhosamente tão tarda e ineficiente como a nossa, chega ele ao pináculo de
sua gloriosa carreira de advogado, ou seja, daqueles que crêem no direito,
apostolam a justiça e defendem a liberdade e a cidadania.
Em todos esses momentos sempre estivemos juntos porque, de minha parte,
com aquela admiração com que Eça ouvira, pela primeira vez Antero, nas
escadarias da Sé Nova de Lisboa, declamando seus poemas revolucionários,
destracei também a minha capa e para sempre fiquei a ouvi-lo pela vida
inteira.