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BANDEIRA E A POESIA DO COTIDIANO
20/01/2011 00:09:34


M. Paulo Nunes

 A reforma estética do Modernismo importou numa profunda transformação poética que alterou substancialmente os cânones da poesia tradicional, especialmente aquela feição dominante em nossa receita literária de então, representada pela linguagem do parnasianismo. E ai surgiram o verso de circunstância ou a poesia do cotidiano ou até mesmo o poema piada que levaria Carlos Drummond de Andrade ao extremo, em seu livro de estréia, em 1932, Alguma Poesia, ao poetar daquela maneira insólita que levava ao delírio os plumitivos de nosso tempo: “Stop/ a vida parou/ ou foi o automóvel?”. Ou ainda em um poema intitulado “Bahia”: “É preciso escrever um poema sobre a Bahia./ Mas eu nunca fui lá!”

A lição de poesia que o autor de Estrela da Manhã nos dará é das mais originais, ao emprestar a episódios aparentemente sem qualquer importância de sua vida pessoal os efeitos mais ricos ou mais edificantes, sem renegar entretanto o legado maior da grande poesia de língua portuguesa, ao mesmo nível de Camões, de Bocege, de Antero de Quental, de Gonçalves Dias, de Antônio Nobre, de Fernando Pessoa, como veremos a seguir.

Como diria Oto Maria Carpeaux, que de forma tão excelente o interpretou em seus admiráveis estudos sobre o poeta, “Seus temas são simples: recordação da infância, um amor irrealizável, a sombra de uma doença grave, um enterro que passa, uma linda tarde de despedida, uma velha casa que vai abaixo e na qual se sofreu e se amou muito. Mas eis o milagre realizado: cada um desses temas simples é a célula máter de um processo de desenvolvimento temático, enriquecendo-se e revelando facetas novas, inesperadas, e enquadrando-se na forma para a qual estava predestinada e enfim, formando o cristal perfeito, o poema.” (Ob. cit., p. XXX).

Neste sentido, sua vida pessoal tão simples é o campo fértil dessa grande poesia, desde o seu livro inicial A Cinza das Horas até os instantes finais, quando ele assume a condição de um dos maiores e mais perfeitos poetas de nosso país e da língua portuguesa:

“Sou bem nascido./ Menino, fui como os demais, feliz./ Depois, veio o mau destino/ e fez de mim o quis.” (Ob. cit., p. 5) Ou aquela estrofe do poema “Testamento”, do livro Lira dos Cinqüent’Anos:

“Criou-me desde eu menino/ Para arquiteto meu pai,/ Foi-se-me um dia a saúde.../ Fiz-me arquiteto? Não pude!/ Sou poeta menor, perdoai!” (Ob. cit., p. 173)

A vida de Bandeira, que num poema se confessa um “tísico profissional”, foi toda ela uma contínua preparação para a morte, desde quando, adolescente, deixou de entrar para a escola de Arquitetura para recolher-se a um hospital para tuberculose, em Clavadel, na Suíça, a fim de cuidar da saúde. Assim ele a prefigura, no poema “Consoada”, de seu livro Opus 10:

“Quando a Indesejada das gentes chegar/ (Não sei se dura ou caroável),/ Talvez  eu tenha medo./ Talvez sorria, ou diga:/ - Alô iniludível!/ O meu dia foi bom, pode a noite descer./ (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,/ A mesa posta,/ Com cada coisa em seu lugar.” (Ob. cit. p. 221).).

Todos esses inumeráveis rítimos da poesia de Bandeira, desde a redondilha maior que vem da multissecular tradição da língua, porquanto desde os cancioneiros medievais, perseguem essa temática. Nesse metro, a chamada “medida velha”, escreve ele grande poemas como “Última Canção do Beco”, “No vosso e em um coração”, “Vou-me Embora pra Pasárgada” e tantos outros. Passa a seguir largamente pelo metro livre da reforma modernista, até o soneto, de que foi ele também um dos mais excelentes cultores como se verifica com este soneto “Peregrinação”, de seu livro Estrela da Tarde e com que o “velho bardo” se apresenta como um dos grandes representantes da poesia lírica em língua portuguesa:

“Quando olhada de face, era um abril./ Quando olhada  de lado, era um agosto./ Duas mulheres numa: tinha o rosto/ Gordo de frente, magro de perfil./ Fazia as sobrancelhas como um til;/ A boca, como um o (quase). Isto posto,/ Não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto/ de me lembrar, que são tristezas mil./ Eis senão quando um dia... Mas, caluda!/ Não me vai bem fazer uma canção/ Desesperada, como fez Neruda./ Amor total e falho... Puro e impuro.../ Amor de velho adolescente... E tão/ Sabendo a cinza e a pêssego maduro... (Ob. cit., p. 244)




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