M. Paulo Nunes
Contrariando um dos meus dez leitores, ou provavelmente aqueles cinco a
que se refere Machado de Assis, no início das Memórias Póstumas de Braz Cubas e mencionados em meu último artigo
sobre aquele autor, o segundo deste ano de uma série que pretendo fazer sobre o
romancista, o maior e mais perfeito de nossa literatura, no centenário de seu
silêncio, volto, mais uma vez, a Manuel Bandeira, pelas razões a seguir
explicadas.
Com a realização do 4º Festival
de Violão que, em caráter nacional, em boa hora realizam em Teresina os velhos
amigos Cineas Santos e o maestro
Erisvaldo Borges, e se constituiu no maior sucesso, em termos de promoção
artística, tivemos entre nós a presença aliciante de uma figura feminina de
renome, a delicada violonista croata Ana Vidovic, uma das três maiores do
mundo, segundo a informação da crítica especializada. Os cronistas de nossa
capital, como Wellington Soares, em sua crônica dominical, membros de nossa
Academia, em sua última sessão ordinária, como Raimundo Santana e o poeta Hardi
Filho, só tiveram palavras de encantamento em louvor de Ana, não somente para
sua arte superior, como para sua graça espiritual e sua beleza. O mestre
Santana neste particular se excedeu, desmanchando-se em elogios os mais
pródigos. De sorte que tudo isto é mais um motivo para voltar a Bandeira, que
foi, que continua sendo, que o será para sempre um dos nossos maiores poetas
líricos de nossa literatura. Fiz assim uma rápida releitura da obra do velho
bardo, como ele se proclamava, neste final de semana, em homenagem àquele
instante que vivemos em termos de apresentação artística da mais elevada
expressão.
E relendo-o, na edição de suas Poesias Reunidas, Estrela da Vida Inteira, de José Olympio Editora (1970), em louvor dos
seus oitenta anos, ali me deparo, entre outros, com o estudo primoroso e pouco
lembrado, hoje em dia, de Gilda e Antônio Cândido de Melo e Sousa, na
Introdução, ao dizerem:
“Poucos poetas terão sabido, como ele, aproximar-se do leitor,
fornecendo-lhe um acervo tão amplo de interesses pessoais desataviados, que
entretanto não parecem bisbilhotices, mas fatos poeticamente expressivos. O seu
feitiço consiste, sob este ponto de vista, em legitimar a sua matéria -, que
são as casas onde morou, o seu quarto, os seus pais, os seus avós, a sua ama, a
conversa com os amigos, o café que prepara, os namorados na esquina, o infeliz
que passa na rua, o jogo ondulante do amor”. (Ob. cit., p. 111)
Eis aí o mistério: o jogo ondulante do amor é a grande lição ou a nota
dominante da poesia de Bandeira.
E para concluir, pois é preciso concluir, transcrevemos um de seus
sonetos mais perfeitos, o “Soneto Inglês nº 1”, de seu livro Lira dos Cinquent’Anos e com ele reverenciamos os devotos da grande
poesia de Bandeira e da língua portuguesa:
“Quando a morte cerrar meus olhos duros
- Duros de tantos vãos padecimentos,
Que pensarão teus peitos imaturos
Da minha dor de todos os momentos?
Vejo-te agora alheia, e tão distante:
Mais que distante – isenta. E bem prevejo,
Desde já bem prevejo o exato instante
Em que de outro serão não teu desejo,
Que o não terás, porém teu abandono,
Tua nudez! Um dia hei de ir embora
Adormecer no derradeiro sono.
Um dia chorarás... Que importa? Chora.
Então eu sentirei muito mais perto
De mim feliz, teu coração incerto. (Ob. cit. p.161)