M. Paulo Nunes
Já escrevi, nesta
coluna, mais de uma vez, sobre autores e livros esquecidos, aqueles que
obtiveram, em determinado momento da história literária, a maior notoriedade
possível e depois, de algum tempo mergulharam no lago do esquecimento. Muita
gente hoje se interroga por que autores como Gilberto Amado,uma das mais
brilhantes figuras de nossas letras, que tanto se distinguiram na primeira
metade do século passado, como ensaísta (Grão de Areia) romancista (Inocentes e
Culpados) ou o prodigioso memorialista de livros marcantes pela beleza literária
com que narra os acontecimentos marcantes de sua época, com História da Minha Infância, Minha Formação no Recife, Mocidade no Rio,
Primeira Viagem à Europa, Política ou
Depois da Política. Na mesma
linha de indagações, incluiríamos Axel Munthe, autor de um livro de sucesso, O
Livro de San Michele. Romain Rolland, autor de um grande livro, uma sorte de
romain-fleure, que toda a minha geração leu, Jean-Cristophe; somente Maugan,
autor de um outro livro que se tornaria uma verdadeira coqueluche do momento,
Servidão Humana, que resultaria num belo filme estrelado pelos atores Leslie
Howard e Bete Davis, nos papéis de Philip e Mildred; o inglês Charles Morgan,
com Sparkenbrook (que belo livro!), com o qual reinterpreta o mito do
platonismo, em nossos dias; Thomas Mann, com A Montanha Mágica, livro também
marcante em nossa geração e que li num dos momentos mais difíceis da minha vida
e a tetralogia bíblica aquele autor, com O
Jovem José e seus Irmãos, José no Egito
e José, o Provedor, outro sucesso literário de que ninguém mais fala hoje em dia. Sinclair Lem,
autor do famoso romance Babet, em que faz a radiografia da burguesia
norte-americana da mesma forma que o fizera Honoré de Balzac, com a burguesia
francesa; em sua Comedia Humana;
ou ainda John Steinbek, com As Vinhas de Ira, que daria origem ao famoso filme
de John Ford, protagonizado por Henry Fonda; afinal, não é possível puxar mais
o novelo, pois assim não acabaria mais; Ernest Hemmingway em Por quem os Sinos
Dobram, Adeus Às Armas e O Velho e o Mar, quem ainda fala neles? No entanto,
foram figuras marcantes de sua época e deslumbraram aquele mundo do pós-guerra
com suas histórias estapafúrdias e encantadoras.
E por que não falar
também nos autores nacionais esquecidos e romancistas, poetas e memorialistas
que tanto nos deslumbraram? Por que não evocar José Lins do Rego, com a saga
dos romances do chamado ciclo da cana de açúcar – Menino de Engenho, Doidinho,
Bangüê e essa obra-prima, que é Fogo Morto (Puxa! Que obra-prima! Diria Mário
de Andrade, ao concluir sua leitura). E de Érico Veríssimo, tão bem aceito pela
nossa supostamente letrada classe média? Érico, autor de obras marcantes com
seguidor da vertente machadiana que também nos daria Lima Barreto, de
romancistas de cidades, como o reinventor do meio urbano de Porto Alegre, com
livros de tanta repercussão pública como Clarissa, Caminhos Cruzados, ou o tão
badalado Olhai os Lírios do Campo? Ou o que trata da formação social do Rio
Grande do Sul, o antigo continente de São Pedro, O Tempo e o Vento, contendo a trilogia O Continente, O Retrato e O Arquipélago. E Lúcio Cardoso, criador
entre os modernistas do romance de 30 da vertente psicológica de Machado de
Assis, com A Luz no Subsolo, Maleita ou esta alucinante narrativa Crônica de
Casa Assassinada, digna de um Faulkner ou de um Dostoievsky? Estarão todos
profundamente? E José Geraldo Vieira, com o seu Território Humano ou A
Quadragésima Porta, o primeiro dos quais, recebido por Graciliano Ramos, antes
da prisão, nunca pôde o romancista lê-lo, de fio a pavio, tão atormentado se
encontrava em conseqüência do momento excepcional por ele então vivido? E o
poeta Cassiano Ricardo, com a sua fase pau-brasil ou verde-amarelo, no primeiro
momento do modernismo, com Vamos Caçar Papagaios, Borrões de Verde Amarelo,
Martins Cererê e depois se revelaria o incomensurável e denso poeta de Jeremias
sem Chorar e de O Sangue das Horas, de que não esqueceremos jamais aquele belo
poema elegíaco “A Morte de Alice”.
Não poderemos
deixar de fazer uma reflexão final a esta breve recensão de autores esquecidos,
ao evocar mais uma vez, a sempiterna presença de velho ,Machado de Assis, ao
completar-se, no próximo mês, um século de seu silêncio. Relê-lo é recria-lo a
cada passo, quando ele surge a cada dia mais presente, mais completo, mais
grandioso. Cada aspecto das nossa letras, no romance, no conto, na crônica, no
ensaio, na crítica literária o restitui ante nós como a figura emblemática da
nossa literatura. E conforme aquela fina observação do final de um de seus
livros, Iaiá Garcia, “alguma cousa
escapa ao nafrágio das ilusões”. Voltaremos ao assunto.