M. Paulo Nunes
No último número do Jornal da ANE,
editado na Capital Federal, pela Associação Nacional de Escritores, do qual sou
também colaborador permanente, deparo-me com um artigo de Cassiano Nunes sobre
Monteiro Lobato, talvez o último daquele excelente homem de letras, por sinal
que tratando de uma figura estelar de nossa história cultural, que constituía
um dos temas de sua permanente admiração. Poucos dias depois, soube da morte
daquele escritor e excelente amigo. É assim com imensa saudade que escreve esta
nota de evocação repassada da mais funda emoção.
Em sua obra famosa, Conversações
com Goethe, publicada por Ekermann, em 1837, ao revelar o genial poeta
alemão o seu acentuado interesse pelas novas tendências literárias, prefigura o
seu ideal de uma comunidade literária de todas as nações, na qual se reuniriam
espíritos afins, em matéria de sensibilidade e gosto literário. Não seria o
caso de defini-la com aquela expressão que tomaríamos de empréstimo ao título
de um de seus mais apaixonantes romances – As
Afinidades Eletivas,embora este trate de matéria bem diversa, ou seja, da
análise psicológica de um caso de adultério?
Acho que são tais afinidades eletivas que nos aproximam de figuras de
nossa convivência literária e afetiva e participam, como sabe o poeta Carlos
Nejar, desse sentimento que congrega os que são de uma tribo errante, com a
pátria no coração da linguagem.
Tomei contacto, pela primeira vez, com o poeta e ensaísta Cassiano
Nunes, paulista de Santos, uma das figuras do mais agradável convívio que já
conheci, por intermédio de um livrinho de sua autoria, editado pela Casa do
Estudante do Brasil, intitulado O
Lusitanismo de Eça de Queiroz, que me deixou a melhor impressão. Depois, ao
haver escolhido Brasília como exílio provisório, o (re) encontro na
Universidade de Brasília, onde pontificou, durante largos anos, até
aposentar-se, em seu
Departamento de Letras, como uma de suas figuras salientes,
juntamente com o saudoso poeta e também excelente amigo Domingos Carvalho da
Silva, nome emblemático da chamada Geração de 45. Ambos estiveram mais de uma
vez em Teresina, por iniciativa minha, com a finalidade de participar de
atividades literárias aqui realizadas, antes e após meu retorno para cá, em
1992. Cassiano e Domingos também foram naquela Universidade professores de
minha mulher e de minhas filhas, Clarissa e Lenora, motivo este de maior
aproximação entre nós.
Desse convívio com Cassiano resultou a publicação, no Correio Braziliense, de um estudo meu
sobre um livro de poesias, de sua autoria, Jornada,
no qual também falo de sua obra dramática, constituída das peças Nada Mudou, Sempre Haverá Anjos e As Mãos de Ema.
Cassiano Nunes era entre nós uma figura de exceção. Seu amor à
literatura, de que resultou um ensaio da maior importância em sua obra, A Felicidade pela Literatura, sua
dedicação à obra de Lobato, de modo, especial à correspondência do autor de O Escândalo do Petróleo com Godofredo
Rangel, contida em A Barca
de Gleyre e a outros temas de nossa vida pública dele fizeram um autorizado
intérprete da realidade social e política do país.
Sua dedicação aos amigos constituía uma raridade em nossa vida
literária, onde, de um modo geral, os espíritos são movidos por sentimentos
menores como a inveja e o ressentimento. No particular, era ele um modelo de
cidadão e de homem de bem.
Quando naquela cidade lancei meu primeiro livro, apenas para cumprir um
ritual que me era imposto, surpreendi-me com sua presença entre os poucos
amigos e conterrâneos que ali acorreram, como sua afetuosa apresentação,
escrita para aquele ato, dando-me, com o prestígio de sua presença e o calor de
sua palavra, o estímulo para prosseguir no áspero ofício de escrever.
Marcante foi sua participação na série de conferências realizadas por nossa
Academia, promovida nas gestões acadêmicas dos presidentes Celso Barros e
Raimundo Santana, O Brasil no Limiar do
Milênio, um verdadeiro desfile de personalidades de destaque nos mais
diferentes setores da cultura brasileira, tendo ele, com proficiência,
discorrido sobre a “Poesia Brasileira”, a todos encantando com sua eloqüência e
sabedoria.
É assim com o mais vivo sentimento de respeito e incontida emoção que
evoco nesta hora tão triste para todos nós, seus amigos e admiradores, a figura
exemplar, sob todos os aspectos, do mestre e companheiro Cassiano Nunes. Que
Deus o tenha.