M. Paulo Nunes
O tema vem me
perseguindo há bastante tempo e creio já o haver mencionado mais de uma vez e
ao longo destas notas impressionistas de leitura literária: o do herói
fracassado. A romancística moderna tem dele usado e abusado, de tal modo que me
parece já um cacoete, este, do anti-herói em nossa literatura. Vou começar
pelas minhas primeiras leituras.
Em Vidas Secas,
de Graciliano Ramos, minha primeira leitura séria, aos quinze anos (diz o velho
Cineas Santos que comecei bem), marcou-me sobremodo aquele pobre Fabiano,
tangido pela seca braba do sertão nordestino, junto com a mulher, Sinhá Vitória
e os filhos, sem pouso certo, embora Sinhá Vitória, mais otimista que o marido,
sonhasse com a vida na cidade grande, onde os filhos pudessem estudar e todos
tivessem uma vida melhor. Ou aquele
pobre Luís da Silva, de Angústia, chutado pela vida, roído de ciúmes
pela perda da mulher amada, talvez mais desejada que amada, fato que o leva à
loucura e ao crime. Também não muito longe estaria o anti-herói de São
Bernardo, travestido em narrador daquela história densa e perfeita, que
culmina com o suicídio da mulher, a suave Madalena, com quem se casara aquele
grosseirão. Em José Lins do Rego e em seus romances do “ciclo da cana de açúcar
- Menino de Engenho, Doidinho e
Bangüê, lidos em seguida, impressionou-me igualmente aquele Carlos de
Melo, criado com tanto mimo em casa do avô pela tia Maria, que em seguida o
abandona para casar-se. Em Bangüê já aparece formado em direito e, ao
herdar a fortuna do avô, José Paulino, fracassa como senhor de engenho, vende o Santa Rosa por “trezentos contos” e
dali vai embora. Outro herói fracassado?
E os anti-heróis de
Érico Veríssimo, como Eugênio, protagonista de Olhai os Lírios do Campo,
que nem sequer tem coragem de casar-se com a mulher que ama, Olívia, e ...
ia-me esquecendo, aquele soturno Amaro, de Clarissa, seu livro de
estréia, como romancista. O que entretanto distingue esse autor dos demais
dessa literatura de anti-heróis, em sua criação romanesca, é a presença, no
grande romance O Tempo e o Vento, de personagens parece que talhados em
blocos de granito, como já o disse em estudo sobre o romancista, e portanto de
heróis no sentido clássico da expressão, como os dois Rodrigo Cambará, Ana
Terra, Bibiana, Maria Valéria, em cuja galeria é mais acentuada a presença
feminina, muito forte e determinada.
E o nosso Machado de Assis? Neste também
encontramos, de modo especial, na segunda fase, que começa com Memórias
Póstumas de Brás Cubas, uma verdadeira coleção de anti-heróis. O
próprio Brás Cubas, o que seria ele senão um herói fracassado? Viveu
praticamente de esperanças ou ansiosas expectativas. Não se casa com a mulher
que ama, que é desposada pelo político e homem de estado Lobo Neves, não
realiza a sua aspiração de eleger-se deputado, em suma, vê a vida passar e nada
realiza, a não ser a posse efêmera da mulher amada. E o herói ou anti-herói de Dom
Casmurro, Bentinho? Este, coitado, casa com Capitu, a dos olhos de ressaca,
amor de toda a vida, que o trai com o amigo Escobar e termina melancolicamente
como o Dom Casmurro da alcunha do poeta do trem de subúrbio. Paremos, por
enquanto, por aqui.