M.
Paulo Nunes
Volto a Euclides da Cunha, não apenas pela oportunidade de
mais um comentário a respeito de sua obra seminal, Os Sertões, no centenário do seu silêncio, em agosto, como ainda
para aduzir ao louvor anteriormente aqui proferido, a opinião do crítico José
Veríssimo, tido como excessivamente severo em seus julgamentos, como ainda pelo
fato de ter havido uma sorte de contradição ou malententido quanto àquela
opinião, face a outra posteriormente emitida em carta daquele autor. Senão
vejamos.
Quando do aparecimento de Os Sertões, assim sobre ele se manifesta o autor de Estudos Brasileiros:
“O livro, sob todos os títulos notável, do Sr. Euclides
da Cunha, é ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um
etnógrafo, de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um
historiador; e de um homem de sentimentos, um poeta, um romancista, um artista
que sabe descrever, que vibra, e sente tanto os aspectos da natureza, como o
contacto do homem e estremece todo, tocado até o fundo d’alma, comovido até as
lágrimas, em face da dor humana, venha ela das condições fatais do mundo
físico, as secas que assolam os sertões do Norte brasileiro, venha da estupidez
ou da maldade dos homens, como a campanha de Canudos.”
Por outro lado, em carta a Mário de Alencar, guardada nos
arquivos da Academia Brasileira e dali exumada por Josué Montello, que comenta
o assunto em seu Diário da Tarde, assim se manifesta aquele
notável crítico e historiador da nossa literatura, a 17 de agosto de 1909, dois
dias após a morte de Euclides:
“Pobre Euclides! Apesar das aparências contrárias, creio
não houve entre nós muito real simpatia, e que ambos nos esforçamos por nos
tolerarmos, e até nos amarmos, mais do que nossos temperamentos e a nossa índole
literária diversa quereria. Penso que esse esforço deve ser contado em nosso
favor e por isso não tenho nenhum vexame em confessá-lo a um amigo como você.
Com toda a sua ingenuidade e simpleza real, o seu matutismo inveterado e às
vezes encantador, e algumas boas qualidade de caráter, e creio também que de
coração, havia nele um egotismo que me era insuportável e me fazia às vezes
julgá-lo com acrimônia ou injustiça. Pelo lado literário, você sabe que eu não
podia absolutamente estimá-lo senão com muitas restrições, e, ainda admirando-o
quanto podia, sempre achei excessiva a sua fortuna literária, que estou certo
não lhe sobreviverá muito tempo.” (Ob. cit., pp. 387-8)
Que houve afinal? Quer-nos parecer que uma simples
indisposição momentânea do crítico que em nada iria alterar o julgamento
definitivo expresso, de resto, com toda a convicção, na apreciação feita quando
do aparecimento daquela obra monumental, feita com pedra e cal para admiração e
culto da posteridade.
O autor de Os
Tambores de São Luis tem sobre aquele incidente uma observação pertinente,
ao dizer que “Em tudo errou José Veríssimo: errou no artigo de crítico,
escrevendo o que não pensava; errou na carta dizendo o contrário do que dissera
no artigo; errou, por fim, na profecia, achando que a obra de Euclides não
sobreviveria.” (Ob. cit., idem)