M.
Paulo Nunes
Sou um compulsivo leitor de diários, esse tipo de
confissão que escritores famosos fazem como se estivessem falando de um autor
póstumo a um público inexistente. Daí os equívocos que eles têm trazido a muita
gente ilustre que se vê agredida pelo que neles se contém.
A nossa literatura, contrariamente ao que ocorre na
francesa, não é muito pródiga em diários. Lembro-me de haver lido apenas dois,
ambos de caráter puramente literário: o de Álvaro Lins, o excelente crítico
literário que tivemos e tão cedo desaparecido, Notas de um Diário de
Crítica, dado à estampa em 1943, pela Livraria José Olympio, que creio ter
ficado apenas no 1ºvolume, o Diário Crítico, de Sérgio Miliet, um
excelente crítico literário paulista, partícipe da Semana de Arte Moderna, de
1922, lido há bastante tempo, e ainda o Diário Secreto, de Humberto de
Campos,que tanta celeuma provocou,à época em que apareceu, nas páginas da
revista O Cruzeiro. Alguns contemporâneos seus, companheiros de geração,
reagiram com igual violência, ao se sentirem atingidos, não apenas por uma pena
tingida da melancolia de Machado de Assis, mas de uma crueza e virulência de
fazer inveja aos polemistas famosos de nossa língua, como Eça, Camilo e Ramalho, em Portugal e, no Brasil, Carlos de
Laet e Agripino Grieco.
Em duas notas sobre o assunto em seu livro de
reminicências literárias tantas vezes aqui citado, Reencontro com meus
Mestres, refere o caso de Joaquim Nabuco, cuja obra autobiográfica, Minha
Formação, contém alguns trechos de seu Diário, e o Diário de André Rebouças
que supõe ele estar arquivado, ainda inédito, na Fundação Joaquim Nabuco, do
Recife.
Lembra ele ainda a preferência do autor de Memórias
Póstumas de Brás Cubas pelo gênero, como
demonstra pela escolha do título de alguns de seu romances, como o Memorial
de Aires e o conto Galeria Póstuma, de seu livro Várias Histórias,
com os excertos do diário de Joaquim Fidelis de que somente depois de sua morte
se veio a tomar conhecimento, porquanto só então foi revelada “essa espécie de
memórias secretas, confidências do homem a si mesmo”.
Diz ali o narrador: “O interesse do escritor
adormece a dor do objeto. Era um livro digno do prelo. Muita observação
política e social, muita reflexão filosófica, anedotas de homens públicos, do
Feijó, do Vasconcelos, outras puramente galantes, nomes de senhoras, da
Leocádia, entre outros; um repertório de fatos e comentários.” (Ob. cit. p. 106.)
Por fim, last but not least, Josué Montello,
com sua notável prosa diarista, já em
outro lugar referida, com os livros Diário da Manhã, Diário da Tarde,
Diário do Entardecer e Diário da Noite Iluminada, com que
enriquece, no gênero, a nossa
literatura.
Mas vamos encerrar o comentário.
Na primeira daquelas notas, há a narrativa de um fato pitoresco
ocorrido quando da visita ao Brasil do celebrado porta e diplomata francês Paul
Claudel.
Chama-nos
o romancista a atenção para o que diz Claudel no seu journal, em dois volumes
papel bíblia, com a data de 27 de maio de 1917, quando no desempenho de sua
função de embaixador da França, sobre um dos numes tutelares de nosso país: “Vi
Rui Barbosa na sua biblioteca, frágil como um inseto e cor de tabaco”. (Ob.
cit.p. 108).
“Vejam agora, diz-nos o autor de Os Tambores de São
Luís, o que disse o mesmo Claudel, como embaixador, ao entregar a placa da
Legião de Honra a esse mesmo inseto: ‘Senhor Conselheiro: - No dia de nosso
jubileu como tribuno, neste aniversário de vosso ingresso na vida do espírito
que sempre foi para nós a vida em ação, a França inteira se associa à admiração
e ao respeito de vossos compatriotas que disso nos dão testemunho em toda
parte.” (Ob. cit., idem).
Pergunta o autor da nota onde estaria a verdade, no
Claude do diário ou no Claudel do discurso? Nos dois, responde ele.
“...Há uma verdade da História e uma verdade do Diário.
Aquela reflexiva, conclusiva e documental;esta, momentânea, ocasional e
impulsiva.”. (Ob.
cit., p. 108)