M. Paulo
Nunes
Tenho a impressão de já haver lido a frase em algum outro lugar. Onde?
Isto não vem ao caso, por enquanto. O que quero dizer é que no ser humano nunca
se esgota de todo a necessidade de sonho. E aqui me vem à lembrança o mago e mítico
Calderón de La Barca em La Vida és Sueño (Pues toda la vida es sueño y
los sueños sueños son”)
Em
nossa capital parece haver um uso exagerado desse espírito para expressar tudo
o que nos vem à mente, através da poesia. Aquela observação já passada em
julgado, de que todos nós, brasileiros, quando se manifesta em nós a
necessidade de escrever o fazemos por intermédio do verso que seria talvez a
nossa forma de expressão, extravazando nossos sentimentos pela música ou pelo
destempero dos versos. É o famoso soneto, geralmente de pé quebrado, dos
dezessete anos.
Josué Montello, em um de seus livros de memórias literárias, tantas
vezes já referidos nestas notas, menciona o caso da cidade de Lima, no Peru,
quando ali esteve como adido cultural à nossa embaixada e professor visitante
da Universidade de São Marcos. Diz o autor de A Noite sobre Alcântara
que ali é comum os poetas, ao defrontar-se nas “calles” com outros confrades,
puxarem do bolso as respectivas produções poéticas e atirar mutuamente os
últimos poemas escritos. Acho que Teresina não foge neste particular aos
hábitos da histórica “Cidade dos Reis”.
E ao falar em poesia, ocorre-me que embora haja em toda parte médicos
escritores, alguns deles famosos romancistas, como os ingleses Somerseth
Maughan, autor daquele admirável romance A Servidão Humana, que resultou
no belo filme protagonizado por Leslie Howard e Bete Daviis, ou A . J. Cronin,
com A Cidadela, igualmente levado à tela, de um modo geral os
médicos que se deixam contaminar pelo vírus da escrita literária não costumam,
ao que eu saiba, dedicar-se ao gênero poético. Veja-se no país o caso de
Afrânio Peixoto, “doublê” de cientista e romancista. São de sua autoria os
livros que li com o maior encantamento: Maria Bonita, Bugrinha e Fruta
do Mato, romances regionalistas da melhor categoria, e A Esfinge,
que tem como cenário a vida elegante da burguesia aristocrática e endinheirada
do eixo Rio-Petrópolis do final da “belle époque”.
Em relação ao gênero poético a exceção que me lembre constitui agora
entre nós uma revelação. Trata-se do Dr. João de Carvalho Gonçalves Pontes,
também natural de Oeiras, que tantos valores tem revelado ao Piauí e ao Brasil,
de quem podemos citar, por enquanto, dois livros da melhor extração: Itacas
e Aurora, (Edições do autor, com o patrocínio do Governo do Estado do
Piauí).
Quanto
à nota dominante em sua poesia, a evocativa, lembrei-me de pronto do poeta
inglês Charles Lamb, que explora também a mesma temática, que é de resto a do
Manuel Bandeira de “Evocação do Recife” e “A última Canção do Beco”.
E ao lembrar-me daquele poeta tenho presente na memória involuntária a
sala de aula da 4ª série do velho Colégio Diocesano dos idos de 1942, nas aulas
de Inglês, sob a regência do mestre incomparável Martins Napoleão. Parece que
estou a ouvi-lo, com a sua voz sonora e grave e a sua irradiante simpatia
pessoal, declamando um poema do poeta inglês, cujo refrão ainda ressoa até hoje
em meus ouvidos, ao evocar aquela cena:
“All, all are gone the old
familiar faces”.
Há tempos, ao apresentar o livro de uma poetisa da nova geração
classifiquei a sua poesia como minimalista, consoante a observação de um
crítico norte-americano, por adequar-se ao modelo por ele proposto, ou seja, ao
verso conciso e breve, capaz de traduzir toda a emoção poética ele expressa.
A poesia de João Carvalho, se do ponto de vista formal corresponde
àquele modelo, quanto à temática, que é rica e subjetiva, ao exprimir os
desafios do “ser” ou do “eu lírico”, o faz em conjunção com o universo que nos
rodeia, segundo a lição da poesia quinhentista portuguesa, de um Francisco
Rodrigues Lobo, por exemplo, com o seu lirismo pastoral.
De sua poesia evocativa, de que acima falamos, destacaríamos dentre os
demais de seu primeiro livro o poema “Fazenda Santo Antônio” que aqui
transcrevo:
Sentado/ sobre a porteira/ do curral da Fazenda/ ouço bois mugindo/ e
pássaros cantando/ no crepúsculo do dia./ A imagem das cabras/pastando sobre
lajeiros/ é desfeita quando/ o vaqueiro as conduz/ de volta ao cercado./Águas
cristalinas/ emergindo da fonte do brejo/ correm silenciosas/ entre pedras/ e
deságua longe/ no Riacho Fundo/ de minha infância.” (Ob. cit. p. 32)
Ao ler a poesia contida nos dois livrinhos de João Carvalho, tão bela,
concisa e elegante, ora evocativa, ora elegíaca, lembrei-me de uma observação
do mestre João Ribeiro, em seu livro Páginas de Estética, que para aqui
transponho, ao concluir esta resenha:
“A arte é a natureza diminuída, mas tão infinitamente diminuída que,
àquele negativo x se deve atribuir o valor de todo o Universo.
“E assim é porque de todas as coisas que há só aproveita ao artista uma
partícula infinitesimal e sutilíssima. É o melhor mas também o pouquíssimo que
se tira do Universo”. (Ob. cit., p.35)