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A POESIA É NECESSÁRIA
20/01/2011 00:09:21


M. Paulo Nunes

 Tenho a impressão de já haver lido a frase em algum outro lugar. Onde? Isto não vem ao caso, por enquanto. O que quero dizer é que no ser humano nunca se esgota de todo a necessidade de sonho. E aqui me vem à lembrança o mago e mítico Calderón de La Barca em La Vida és Sueño (Pues toda la vida es sueño y los sueños sueños son”)

Em nossa capital parece haver um uso exagerado desse espírito para expressar tudo o que nos vem à mente, através da poesia. Aquela observação já passada em julgado, de que todos nós, brasileiros, quando se manifesta em nós a necessidade de escrever o fazemos por intermédio do verso que seria talvez a nossa forma de expressão, extravazando nossos sentimentos pela música ou pelo destempero dos versos. É o famoso soneto, geralmente de pé quebrado, dos dezessete anos.

Josué Montello, em um de seus livros de memórias literárias, tantas vezes já referidos nestas notas, menciona o caso da cidade de Lima, no Peru, quando ali esteve como adido cultural à nossa embaixada e professor visitante da Universidade de São Marcos. Diz o autor de A Noite sobre Alcântara que ali é comum os poetas, ao defrontar-se nas “calles” com outros confrades, puxarem do bolso as respectivas produções poéticas e atirar mutuamente os últimos poemas escritos. Acho que Teresina não foge neste particular aos hábitos da histórica “Cidade dos Reis”.

E ao falar em poesia, ocorre-me que embora haja em toda parte médicos escritores, alguns deles famosos romancistas, como os ingleses Somerseth Maughan, autor daquele admirável romance A Servidão Humana, que resultou no belo filme protagonizado por Leslie Howard e Bete Daviis, ou A . J. Cronin, com A Cidadela, igualmente levado à tela, de um modo geral os médicos que se deixam contaminar pelo vírus da escrita literária não costumam, ao que eu saiba, dedicar-se ao gênero poético. Veja-se no país o caso de Afrânio Peixoto, “doublê” de cientista e romancista. São de sua autoria os livros que li com o maior encantamento: Maria Bonita, Bugrinha e Fruta do Mato, romances regionalistas da melhor categoria, e A Esfinge, que tem como cenário a vida elegante da burguesia aristocrática e endinheirada do eixo Rio-Petrópolis do final da “belle époque”.

Em relação ao gênero poético a exceção que me lembre constitui agora entre nós uma revelação. Trata-se do Dr. João de Carvalho Gonçalves Pontes, também natural de Oeiras, que tantos valores tem revelado ao Piauí e ao Brasil, de quem podemos citar, por enquanto, dois livros da melhor extração: Itacas e Aurora, (Edições do autor, com o patrocínio do Governo do Estado do Piauí).

Quanto à nota dominante em sua poesia, a evocativa, lembrei-me de pronto do poeta inglês Charles Lamb, que explora também a mesma temática, que é de resto a do Manuel Bandeira de “Evocação do Recife” e “A última Canção do Beco”.

E ao lembrar-me daquele poeta tenho presente na memória involuntária a sala de aula da 4ª série do velho Colégio Diocesano dos idos de 1942, nas aulas de Inglês, sob a regência do mestre incomparável Martins Napoleão. Parece que estou a ouvi-lo, com a sua voz sonora e grave e a sua irradiante simpatia pessoal, declamando um poema do poeta inglês, cujo refrão ainda ressoa até hoje em meus ouvidos, ao evocar aquela cena:

“All, all are gone the old familiar faces”.

Há tempos, ao apresentar o livro de uma poetisa da nova geração classifiquei a sua poesia como minimalista, consoante a observação de um crítico norte-americano, por adequar-se ao modelo por ele proposto, ou seja, ao verso conciso e breve, capaz de traduzir toda a emoção poética  ele expressa.

A poesia de João Carvalho, se do ponto de vista formal corresponde àquele modelo, quanto à temática, que é rica e subjetiva, ao exprimir os desafios do “ser” ou do “eu lírico”, o faz em conjunção com o universo que nos rodeia, segundo a lição da poesia quinhentista portuguesa, de um Francisco Rodrigues Lobo, por exemplo, com o seu lirismo pastoral.

De sua poesia evocativa, de que acima falamos, destacaríamos dentre os demais de seu primeiro livro o poema “Fazenda Santo Antônio” que aqui transcrevo:

Sentado/ sobre a porteira/ do curral da Fazenda/ ouço bois mugindo/ e pássaros cantando/ no crepúsculo do dia./ A imagem das cabras/pastando sobre lajeiros/ é desfeita quando/ o vaqueiro as conduz/ de volta ao cercado./Águas cristalinas/ emergindo da fonte do brejo/ correm silenciosas/ entre pedras/ e deságua longe/ no Riacho Fundo/ de minha infância.” (Ob. cit. p. 32)

Ao ler a poesia contida nos dois livrinhos de João Carvalho, tão bela, concisa e elegante, ora evocativa, ora elegíaca, lembrei-me de uma observação do mestre João Ribeiro, em seu livro Páginas de Estética, que para aqui transponho, ao concluir  esta resenha:

“A arte é a natureza diminuída, mas tão infinitamente diminuída que, àquele negativo x se deve atribuir o valor de todo o Universo.

“E assim é porque de todas as coisas que há só aproveita ao artista uma partícula infinitesimal e sutilíssima. É o melhor mas também o pouquíssimo que se tira do Universo”. (Ob. cit., p.35)

 




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