M. Paulo Nunes
No processo de
releitura dos ícones da literatura de língua portuguesa, iniciado há algum
tempo já, com Machado de Assis, voltei mais uma vez, (até quando?) à Ilustre
Casa de Ramires do velho Eça, um de seus últimos romances, juntamente com A
Cidade e as Serras, que ele sequer chegou a rever, antes de sua publicação,
porquanto a morte o levaria cedo.
Fidelino de
Figueiredo, que o coloca entre os grandes livros de Eça, da última fase, põe-no
acima de Os Maias, que considero sua obra-prima e apenas, do ponto de
vista histórico, situado na fase realista, escola que apenas lhe serve de
modelo, como técnica de composição literária, como também serviria ao Machado
de Assis da segunda fase. Mas A Ilustre Casa é também um grande livro e
nele o romancista, pelo menos para os patriotas, como Pinheiro Chagas e os
outros, estabelece o seu reencontro com as suas raízes, não apenas porque
reconstitui, através da crônica que Gonçalo Mendes Ramires está escrevendo
sobre os seus avós afonsinos, essa Torre de D. Ramires, mas pelo
declarado amor à terra portuguesa. O episódio nuclear, como é bem de ver, são
os feitos do façanhudo Trutezindo Ramires, uma figura moldada pelo romancista
em bloco de granito, e sua terrível vingança contra Lopo de Baião, o Bastardo,
que lhe mata o filho Lourenço, às portas do castelo, como vingança pela recusa
da mão de D. Violante, a filha mais nova do senhor de Santa Irenéia.
Ao lado desse
passado que ele reconstitui com segurança, em estilo adequado à época, conta as
peripécias da vida de Gonçalo, em Vila Clara, onde se localiza a Torre de Santa
Irenéia, edificação mais antiga que o Reino, com as suas preocupações atuais,
as suas diatribes contra o governador civil, André Cavaleiro, com quem depois
se reconcilia por interesse, visando uma cadeira no Palácio de São Bento, em
substituição do velho Sanches de Lucena, que morre inesperadamente, suscitando
uma profunda inquietação no fidalgo da Torre, que lhe deseja o lugar. Desejo
este soprado em uma noite de cavaqueira pelo amigo João Gouveia, o
administrador do Concelho, e lhe acende também o desejo de posse da bela viúva,
D. Ana de Lucena, não só pela beleza, mas ainda pelos duzentos contos que lhe
ficam de herança, união que se frustra com a
informação supostamente veraz do amigo Titó, o Antonio Vilalobos, de que
ela tivera anteriormente um amante.
A eleição é
tranqüila, dada a popularidade do fidalgo da Torre que sequer necessitaria das
concessões feitas a contragosto ao poderoso André Cavaleiro, em tudo movido por
um capricho, o de obter os favores da ex-namorada e irmã do protagonista,
Gracinha, já então casada como José Barrolo, que reside em Oliveira, no
belo palacete dos Cunhais.
Depois, a grande
surpresa. O novo deputado por Vila Clara mal tem assento na cadeira de São
Bento, abandona tudo e parte para a África, seguindo o destino de seus
avós, e vai cuidar de uma concessão de
terra, ou “prazo”, para usar a linguagem
da época, e ao final do romance está ele, depois de quatro anos, de
volta à terra e à velha Torre, onde o aguardam os amigos, inclusive o santo
homem Pe. Soeiro, para uma geral confraternização. Um saco de espantos, como
personagem, esse Gonçalo Mendes Ramires.
O já citado
Fidelino de Figueiredo, em estudo sempre lembrado, de seu livro Últimas
Aventuras, afirma que em Eça, “arte é estilo”. Como acrescenta Álvaro Lins, naquele livro da mocidade, que
assinala sua estréia, História Literária de Eça de Queiroz, de 1939, mas
dos melhores deste autor, com um sofrimento de desesperado, foi a perfeição
pelo estilo.
É ainda do autor do
Jornal de Letras a observação de que para Eça de Queiroz “o meio de
expressão condensa, assim, todas as possibilidades e recursos do seu métier.
Concentra-se no estilo perfeito o fundo do seu sofrimento. O sentimento de
construir a vida, os fenômenos morais, as paisagens, de levantar um mundo, em
movimento, com os elementos, em si mesmos mortos e parados, das palavras.” (Ob. cit., p. 151)
Tarefa que ele
exemplarmente cumpriu em seus romances, de modo especial, neste que constitui
um modelo de estilo perfeito e um convite à boa leitura.