Inicial   O Conselho   Sessões   Publicações   Revistas   Fale Conosco
 

Notícia

A CORRESPONDÊNCIA LITERÁRIA
20/01/2011 00:09:15


M. Paulo Nunes

 Um dos fatores salientes na vida literária é a correspondência entre escritores. O fato, desde a antiguidade clássica, tem suscitado o interesse dos estudiosos da história da literatura, porquanto geralmente e  através dela que se define, muitas vezes, o perfil intelectual de escritores e artistas.

Lembro-me, por exemplo, de D. Francisco Manuel de Melo, escritor e polígrafo do seiscentismo português, que constitui um dos modelos do gênero, cuja obra epistolar, Cartas Familiares, reúne l.600 cartas, em que relata os principais peripécias de sua vida aventurosa, na política, na diplomacia, na literatura e por último, no cárcere onde passou seis longos anos, dele só tendo saído com a interferência do Conde de Castel Melhor.

Entre nós se tornou famosa a correspondência entre Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, Tristão de Athayde e Jackson de Figueiredo, Manuel Bandeira e Mário de Andrade, este e Carlos Drummond de Andrade e mais e mais, seria um infindável desfile de nomes.

Eça de Queiroz também nos legaria uma imensa correspondência com os amigos de sua geração, deixando, inclusive, em sua rica bibliografia, uma obra de ficção em forma de cartas, a Correspondência de Fradique Mendes.

Como escritor (entre aspas), também tenho acumulado, ao longo da vida, uma vasta correspondência com os amigos, que pretendo um dia publicar, alguns dos quais já estudando a geologia do campo santo, como o saudoso Cassiano Nunes, recentemente falecido e cuja correspondência, tão rica, é uma pena que fique no fundo do baú.

Do escritor e prestimoso amigo Ribamar Garcia, com ingresso recente em nossa Academia, mas cuja amizade e admiração cultivo há algum tempo já, transcrevo a seguir sua última carta, modelar como escrita literária.

“Rio de Janeiro, 10 de dezembro, 2007. Mestre Paulo Nunes. Já deve ter chegado aí minha carta, comunicando o recebimento de “Uma Entrevista do Velho Graça”, e com os agradecimentos aos elogios à minha pessoa. Ficou faltando dizer o quanto sua crônica me sensibilizou. O que faço agora, diante da cópia que me enviou.

Sem dúvida, Joel Silveira, também nosso maior correspondente de guerra, integrou “uma brilhante geração de cronistas”, como você bem salientou. E essa sua constatação – e real – de que a crônica está em extinção, deixou-me um tanto nostálgico. Por que será? Falta de incentivo? De talento? Ou de espaço na imprensa? Olha que tivemos tantos suplementos literários por esse país afora.

De fato, escassearam os cronistas. Ou os novos não estão sendo divulgados. Aqui, aí, e alhures. O que é lamentável. Foi através da crônica que adquiri o hábito da leitura, principalmente, nos autores da geração de Joel Silveira.

Em matéria de crônica, nossos escritores chegaram à perfeição. Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos (que time a revista Manchete tinha!). Também o inimitável Stanislaw Ponte Preta, na Última Hora. E a suave doce Cecília Meireles ao lado do “gauche” Carlos Drummond de Andrade e do não menos grande Manuel Bandeira pediram licença à poesia para fazerem crônicas, que eram lidas na rádio MEC – e depois foram inseridas nos livros intitulados Quadrantes ( nº 1 e 2), nome do programa radiofônico.

Quanto a Álvaro Moreyra, da geração anterior, e das As amargas, não (que expressividade e que beleza de título!), só descobri  posteriormente. Homem da paz, da concórdia. Sua casa, em Copacabana, era um viveiro de intelectuais. Onde só se respiravam cultura e política, com sua mulher, Eugênia, nas rodas, soltando baforadas de charuto cubano. Hábito, praticamente, inexistente no meio feminino da época. Numa de suas crônicas, abordando uma nova doença surgida nos Estado Unidos, chamada de “loucura atômica”, cita o caso de um piauiense de nome Agostinho Moura Assunção, que tomou formicida com cerveja num botequim da rua Larga, e que deixou a seguinte carta aos contemporâneos:

‘Sou partidário do suicídio total da humanidade. O mundo cada vez mais se torna insuportável. Deixemos o mundo. Mas, levemos também os macacos, pois são animais que, segundo Darwin, costumam degenerar os homens. Se os deixássemos, haveria a possibilidade do mundo se encher novamente de gente. Quão bonita não seria essa retirada em massa para o outro mundo! Que espetáculo soberbo de bravura e de renúncia!’. Havia Uma Oliveira no Jardim, editado por Jotapê, Livreiro, editor, Rio, 1958, p.111).

É isso aí, mestre Paulo Nunes, fazer crônica não é fácil. Exige alguns conformes – e alento. E você, também grande cronista, não imagina quantas pessoas já influenciou no hábito da leitura e no gosto pelas Letras. Por enquanto, aceite meu abraço. José Ribamar Garcia”.




Mais Notícias...
 
2323346
Acessos
 
Rua Treze de Maio, nº 1513/Sul – Vermelha - CEP 64018-285 Teresina-PI
Tel.: (86)3221.7083 FAX.: (86)3223.5577 CNPJ 01.742.710/0001-50

Criação, Desenvolvimento e Hospedagem