M. Paulo Nunes
Quando se criou a Academia Brasileira de
Letras, em 1897, uma discussão que primeiro aflorou à mente daqueles ilustres
espíritos que a idealizaram foi o critério a ser adotado na admissão de novos
membros.
Esse debate centrou-se em suas proposições,
aparentemente contraditórias, de dois de seus maiores representantes, Machado
de Assis e Joaquim Nabuco, que depois seriam, por longos anos, respectivamente,
seu presidente e secretário-geral.
A dúvida era se a Academia deveria ser uma
entidade que agregasse apenas os homens de letras ou ao contrário, admitiria
igualmente os expoentes dos mais diversos da vida pública nacional. O mestre de
Dom Casmurro, como escritor que era, advogado, com certa intransigência, a
primeira opção, enquanto Nabuco, que era mais político do que escritor,
bater-se-ia pelo critério mais amplo, o dos chamados expoentes. Venceu, é
claro, o ponto de vista de Nabuco, e o nosso primeiro cenáculo, representativo
da cultura brasileira, passou a ser constituído por escritores ou
personalidades de exceção na vida nacional, em harmonia, de resto, com o
critério imperante na Academia Francesa, que foi inspiradores da nossa, e não é
apenas de letras, a partir da exclusão dessa palavra, no enunciado de seu próprio
título.
Houve até naquele sodalício o caso folclórico
da substituição do Almirante Jaceguai que, ao morrer, teve sua cadeira
reivindicada, em peso, pelo Almirantado, sob a alegação de tratar-se de uma
vaga da Marinha.
A nossa Academia, criada em 1917, não teve
essa preocupação. Desde os seus fundadores, em número de dez, e dos demais que
a integraram posteriormente, todos eles também figuras representativas de
nossas letras, para compor o número inicial de 30, até i cinqüentenário, quando
este foi ampliado para 40, o critério dominante sempre foi o da escolha de
pessoas dedicadas às letras, cultivando-as em suas diferentes manifestações.
Nunca se admitiu o fato de ali ingressarem
escritores sem livros que, com efeito, não são escritores,porquanto escritor é
quem publica livros. Se houve, em algum tempo, exceção, estas apenas vêm
confirmar a regra geral.Não se admitem, naquela Academia, escritores sem
livros, o que seria, além do mais, um contra-senso.
Ao longo dos anos têm os integrantes da
Academia definido o perfil da cultura piauiense, que ali se acha representada
em todos os seus diferentes matizes,com predomínio, é claro, das belas letras –
a poesia, o romance,o conto, a crítica literária e o ensaio.
Além
do mais, é necessário definir-se o que se entende por obra literária. Um
simples folheto, com um número exíguo de páginas com que às vezes se têm
apresentado alguns candidatos à glória academia, não pode considerar-se livro.
Que é um livro? Vamos ao Aurélio, para sermos práticos. Lá está: ôLivro (do lat.
Libru) s. m. Obra literária, científica ou artística que compõe, em regra, um
volume.õ(p. 853) Não há fugir. Fora desse padrão, não existe livro. Existem
livrecos ou livrórios, conforme as acepções depreciativas que lá estão. Há
portanto que decidir-se o que o pretendemos fazer de nossa Academia.Mantê-la a
serviço daquela respeitável tradição, que vem de nossos maiores ou faze-la
tributária de interesses e paixões menores que talvez tenham apenas a duração
das rosas de Malherbe? Ou ao contrário, dar-lhe continuidade mantendo-a como
instituição de cultura, cujas finalidades essenciais são o cultivo da língua
portuguesa, o estudo e o desenvolvimento da literatura piauiense, dentro da
unidade de espírito da cultura brasileira, conforme vem definido em seus
Estatutos. Por isso se exige daqueles que pretendam tornar-se seus membros
efetivos o que hajam produzido ou entregue ao público obra de reconhecido valor
real em algum campo do saber humano. (Estatuto da APL, art. 2º)
Fora disso estaríamos desservindo a cultura
piauiense, de que tem sido a Academia, sem sombra de dúvida, ao longo de nossa
história, sua entidade mais representativa, aquela que lhe guarda a tradição e
a memória.
M. Paulo é ex-presidente da Academia
Piauiense de Letras