M.Paulo
Nunes
Acho que devo concluir estas notas em que tentamos abordar um dos
aspectos e um dos instantes de maior significação na história da educação
secundária em nosso país a que estive, por dever de ofício diretamente
ligado. Ao comentá-lo, procurei fazer
aquilo que disse haver observado o mestre de nosso romance contemporâneo,
Graciliano Ramos, em suas Memórias do Cárcere, logo no início do 1º
volume da 1ª edição:
Quero por último referir-me a uma contribuição importante das
Inspetorias Seccional ao processo de expansão e desenvolvimento da escola
secundária, então o carro-chefe do ensino de grau médio no país. Refiro-me às
primeiras experiências de planejamento educacional que se fizeram no país, a
partir de 1961, e da qual participariam ativamente os Inspetores Seccionais das
capitais do país.
Como se tratava de uma iniciativa praticamente inédita no MEC, teve sua
execução confiada às ISES, como uma forma de parceria entre o MEC e as
secretarias estaduais de educação.
Assim é que participamos, àquela
época, dessa primeira experiência de planejamento educacional que se
fazia em nosso país, o programa educacional de emergência, criado por Darcy
Ribeiro, como ministro da Educação do primeiro governo parlamentarista,
instituído após a renúncia do presidente Jânio Quadros para solucionar o
impasse com as forças armadas que se opunham à posse do presidente João
Goulart, em setembro de 1961.
O aludido programa contava de construções escolares, treinamento de
professores, distribuição de livros didáticos e material escolar, e de uma
biblioteca básica do professor. Foram construídos e aparelhados grupos
escolares e escolas isoladas em algumas cidades e povoados do interior do
Estado. Em Teresina, ampliou o número de salas de aula do Liceu e foram
construídos os grupos escolares Anísio Teixeira e Miguel Borges, este, não sei
por que razão, com a sede há muito ocupada pela Cooperativa da Polícia Militar.
Posteriormente, esta serventia seria continuada na execução dos projetos
relativos ao plano trienal de educação que se seguiu àquele programa. Foi esta
igualmente uma tarefa da maior responsabilidade, porquanto exigiria do
representante do MEC, que éramos nós, uma pertinaz vigilância, afim de que os
recursos destinados a essa programação não fossem desviados um milímetro que
fosse da finalidade a que eram destinados, diferentemente do que ocorre
atualmente em Pindorama. Não foi fácil, como vêem, essa tarefa.
Caberia aqui talvez neste final, um réquiem ou uma pavana às antigas
Inspetorias Seccionais e a seus dedicados servidores que tanto fizeram, a
braços com mil dificuldades financeiras, para manter limpo o nome do
Ministério, em momentos tão graves por que passamos em nosso vida pública.
Convertidas posteriormente em Delegacias Federais de Educação, nos Estados,
foram criminosamente fechadas por meio de uma portaria infeliz do então
ministro da Educação, Paulo Renato de Sousa, ao ouvir o canto de sereia de sua
frustrada pretensão ao de concorrer à Presidência da República, e facilitar
assim a sanha dos prefeitos do país aos recursos do FUNDEB, que no uso de sua
criação (1996) atingiram 12 bilhões e quinhentos milhões de reais, dos quais
foram desviados 3 bilhões e quinhentos milhões. Que falta fizeram naquele
instante os antigos Inspetores Seccionais do MEC ou mesmo os delegados federais
que passaram, com as Delegacias a fiscalizar-lhes a rigorosa aplicação. Às
vezes tremo nas bases de velho e curtido servidor público ao sentir rugindo ao
derredor de nós essa onda ensurdecedor de corrupção, sepultando os sonhos
paraléticos e as fementidas esperanças de uma pobre geração perdida, ao
contemplar esta pagada e vil tristeza, como diria o poeta excelso, em que se
converteu a vida pública nacional.
Consolo-me, entretanto, ao aproximar-me do termo da jornada, falando
ainda pela voz dos poetas, de um dos heterônimos do sempiterno Fernando Pessoa,
Alberto Caeiro, que para aqui transponho como consolo e justificação:
“Quando vier a Primavera,/ Se eu já estiver morto,/ florirão da mesma maneira/
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. A realidade não
precisa de mim./ Sinto uma alegria enorme/ Ao pensar que minha morte não tem
importância nenhuma.” (Cf. Fernando Pessoa – Aguilar Editora, p. 216)
Desgosta-me usar a primeira pessoa. Se se tratasse de ficção, bem: fala
um sujeito mais ou menos imaginário; fora daí é desagradável adotar o
pronomezinho irritante, embora se façam
malabarismos por evitá-lo. Desculpo-me alegando que ele me facilita a
narração. Além disso não desejo ultrapassar o meu tamanho ordinário.
Esgueirar-me-ei para aos cantos obscuros, fugirei às discussões, esconder-me-ei
prudente por detrás dos que mer5ecem patentear-se.” (Ob. cit., José Olympio
Editora, 1953, p. 11)