M. Paulo Nunes
Interrompo por um instante algumas
tarefas de ordem cultural em que me tenho absorvido nos últimos tempos, para
dedicar este momento de evocação e de saudade à memória da minha querida amiga
e distinta parenta Lucy de Jesus Teixeira, que perdemos no final da última
semana, em sua cidade de São Luis do Maranhão onde ultimamente residia. Foi um
choque muito grande para quem como eu, embora com ela tenha convivido por
breves instantes, tanto a admirava como pessoa humana e escritora genuína tão
correta, tão simples e tão digna, que chego quase a pensar que a “indesejada
das gentes”, antes de levar-nos, vai ceifando sem critério as pessoas que mais
amamos.
Digo que a conheci por breves
instantes, embora, como já se disse, a vida seja feita de instantes, porque
realmente o nosso convívio resultou de alguns encontros e reencontros ao longo
da vida.
Conheci-a quando esteve com a irmã mais
velha, Lizete, então estudante de medicina, já falecida, quando realizaram, no
distante ano de 1938, no mês de janeiro, uma viagem aventurosa à minha cidade
natal, Regeneração, para visitar, em companhia de uma parenta mais velha, uma
criatura doce que era conhecida pelo apelido de Tatá, minha avó materna, D.
Sinhá, prima irmã de seu pai, o Des. Joaquim Teixeira Jr., integrante de uma
grei ilustre do Maranhão. Era ela, nessa época, uma adolescente viva, divertida
e comunicativa, que transformou a cada de meus avós, onde vivíamos, meus irmãos
e eu, o mais velho, após a morte de nossa mãe, ocorrida alguns anos antes. Não
pude participar dessas brincadeiras, porquanto alguns dias após era mandado
para Teresina com a finalidade de prestar os exames de admissão ao ginásio.
Depois, com ela me reencontraria em poucas
oportunidades, em Teresina, em suas passagens pela nossa capital, em demanda de
seus estudos do curso de direito realizado em Belo Horizonte. Lembro-me de que
ali chegara a colaborar na famosa revista Edifício, da turma de jovens
mineiros da nova geração integrante da chamada geração de 45.
Lembro-me do fato
por haver-me enviado alguns exemplares da revista, contendo matéria de sua
autoria. Creio que por essa época participou ela de um concurso de poesia,
instituído pela Prefeitura do Recife, obtendo o primeiro lugar na premiação,
com um poema sobre aquela cidade, um dos mais belos poemas evocativos que já
li, da mesma altitude da “Evocação do Recife”, de Bandeira. Onde andará este
poema, não sei. Quando lhe perguntava ela fazia um ar de mistério e nada me
adiantava. Um outro poema seu, depois de seu retorno ao Brasil, após longa
temporada no exterior, como funcionária diplomática, era um belo poema elegíaco
por motivo de morte de seu irmão Luís, que tinha problemas psiquiátricos e em
razão disto era carinhosamente tratado por toda a família. Em setembro de 1946,
integrando comitiva de estudantes de nossa Faculdade de Direito, em visita à
sua congênere do Maranhão, participamos, meu parente Dr. Amandino Nunes e eu,
de um jantar de confraternização de sua família, por motivo de nossa presença
ali, tendo eu conhecido nessa oportunidade seus país, D. Joana, que era
piauiense, e o Des. Teixeira Jr. que morreria algum tempo depois. Foi ela quem
datilografou o discurso com que agradeci, em nome de nossa Faculdade, a
homenagem que nos prestou a Faculdade de Direito de São Luis, na palavra do
emérito professor e historiador Antônio Lopes.
Sobre essa longa temporada no exterior
nunca soube de nada, a não ser agora, através da bela crônica de evocação que a
ela dedicou o poeta e companheiro de geração, Ferreira Gullar, ao atribuir o
fato a uma desilusão amorosa. Descontado o que possa haver de romantização do
episódio pelo autor do Poema Sujo, é bem provável que tal tenha corrido,
porquanto de sua pessoa, por muito tempo, fiquei sem ter qualquer notícia,
senão de forma esporádica.
Era ela uma admirável contista da
“família Mansfield”, segundo a classificação de Valdemar Cavalvanti adotada por
Álvaro Lins, em seu Jornal de Crítica, ao filiar os escritores
dessa tendência à romancista neo-zelandesa radicada na Inglaterra, Raterine
Mansfield, deixando-nos apenas um livro no gênero, Os Alamares, além de
seus livros de poemas, dos mais belos da língua portuguesa, Elegia
Fundamental e Palimpsestos.
Integrou Lucy uma das mais brilhantes
gerações da história literária do Maranhão, de que se destacam nomes como o já
mencionado poeta Ferreira Gullar, José Chagas, Lago Burnet, Nauro Machado,
Bandeira Tribuzzi, José Sarney e outros mais. Pertenceu à Academia Maranhense
de Letras que em vida lhe tributaria as mais significativas homenagens,
especialmente depois de seu retorno à terra natal.
Soube por intermédio de sua irmã Lianne que
foram muito dolorosos seus últimos dias de vida, mergulhada que estava num
sofrimento que não mais parecia ter fim. Não merecia ela esse destino. Para
nós, seus familiares, amigos e admiradores, Lucy não morreu, encantou-se, como
diria o mago e mítico Guimarães Rosa.