Inicial   O Conselho   Sessões   Publicações   Revistas   Fale Conosco
 

Notícia

S. BERNARDO, UM CLÁSSICO DO ROMANCE DE 30
20/01/2011 00:08:33


M. Paulo Nunes

 Com certeza é S. Bernardo, de Graciliano Ramos, aparecido, em 1934,  um dos livros mais bem construídos de nossa literatura.  Caetés, publicado no ano anterior, revela ainda alguns defeitos em sua elaboração, a despeito da preocupação constante de seu autor em ir depurando-o aos poucos. Não obstante isso, sente-se ainda algumas hesitações do autor, decorrente das influências dominantes a que não pôde fugir GR em seu processo de composição,  o que denota ainda a presença um estreante. Uma delas é a do seu compromisso com o realismo de Eça de Queiroz e ainda a sua ironia ou o seu sarcasmos de que só aos poucos vai o romancista libertando-se em suas obras posteriores. Em S. Bernardo, o autor se apresenta bastante seguro em sua construção romanesca, de tal sorte que o romancista já aí se revela na plena posse de seu instrumento de expressão que o seu estilo despojado, sem ouropéis, como resultante do esforço de um dos grandes construtores de nossa língua à qual incorpora formas novas de expressão colhidas na linguagem e no vocabulário popular.

Por outro lado, seu processo de composição é mais simples e de uma segurança inigualável. Nada de quem esteja realizando uma tentativa de ensaio e erro para chegar afinal à obra de arte perfeita. O livro parece ter nascido clássico, ou seja, livre de redundâncias, de termos desnecessários, suscetíveis de serem modificados com o passar do tempo.

Em sua invenção também ou no processo de criação literária a elaboração talvez tenha sido a que lhe tomou mais tempo.

No depoimento pessoal recolhido por sua filha e biógrafa Clara Ramos, a Clarita do seu segundo casamento, e tão afetivamente ligada ao romancista e com ele e D. Heloísa partilhava as incomodidades da pensão da rua do Catete, ao sair da prisão política a que foi submetido, em março de 1936, no ensaio de interpretação da obra do pai, em seu livro Mestre Graciliano - Confirmação Humana de uma Obra (Civilização Brasileira, 1979), apresenta o seguinte quadro:.

Depois de aludir o romancista à situação crítica em que se encontrava, no começo de 1932, em Palmeira dos Índios,”com vários filhos pequenos, sem ofício e sem esperança”, acrescenta:

“Nessa crítica situação voltou-me ao espírito o criminoso que em 1924 me havia afastado as inquietações – um tipo vermelho, cabeludo, violento, de mãos duras, sujas de terra como raízes, habituadas a esbofetear caboclos na lavoura. As outras figuras de novela não tinham relevo, perdiam-se à distância, vagas e inconsistentes, mas o sujeito grosseiro e cascudo avultava, no alpendre da casa grande de S. Bernardo, metido numa cadeira de vime, cachimbo na boca, olhando o prado, novilhas caracus, habitações de moradores, capuchos embranquecendo o algodoal, paus d’arco floridos a enfeitar a mata. E, sem recorrer ao manuscrito de oito anos, pois isto prejudicaria irremediavelmente a composição, restaurei o fazendeiro cru, a lápis, na sacristia da igreja enorme que o meu velho amigo padre Macedo andava a construir. Surgiram personagens novos e a história foi saindo muito diversa da primitiva.” (Ob. cit., p. 76)

Depois vem o trabalho de carpintaria, já mais de uma vez referido nestas notas, que era nele o mais demorado e difícil, um sofrimento perpétuo.

Mas, curiosamente, de todas as obras do romancista, às quais sempre se refere com um ar de desdém e sem qualquer simpatia, por essa tem ele o maior entusiasmo.

Em carta a Heloísa, declara o romancista:

“O S. Bernardo está  pronto,  mas foi escrito quase todo em português, como você viu. Agora está sendo traduzido para o brasileiro, um brasileiro encrencado, muito diferente deste que aparece nos livros da gente da cidade, um brasileiro de matuto, com uma quantidade enorme de expressões inéditas, belezas que eu mesmo nem suspeitava que existissem. O resultado é que a coisa tem períodos absolutamente incompreensíveis para a gente letrada do asfalto e dos cafés. Sendo publicada, serviria muito para a formação, ou antes para a fixação da língua nacional. Quem sabe se daqui a trezentos anos eu não serei um clássico? Os idiotas que estudarem gramática lerão S. Bernardo, cochilando, e procurarão nos monólogos de seu Paulo Honório exemplos de boa linguagem.” (Cf. Denis de Moraes – O Velho Graça, p. 83 – José Olympio Editora, 1992)

Já vimos que não precisou o romancista de tanto tempo para que este livro e os demais que lhe seguiram se tornassem clássicos, ou seja, modelos de boa linguagem tanto em nossa quanto em todas as línguas cultas para as quais tem sido largamente traduzido.

 




Mais Notícias...
 
2322542
Acessos
 
Rua Treze de Maio, nº 1513/Sul – Vermelha - CEP 64018-285 Teresina-PI
Tel.: (86)3221.7083 FAX.: (86)3223.5577 CNPJ 01.742.710/0001-50

Criação, Desenvolvimento e Hospedagem