M. Paulo
Nunes
Pensei que já houvesse escrito uma nota para esta coluna sobre Camus
(1913-60), incluindo-o naquela relação ou galeria de autores esquecidos da
nossa e de outras literaturas. Refiro-me àqueles que surgem de repente, adquirem
em sua época grande notoriedade e de pronto mergulham naquele sol dos mortos a
que se refere Balzac, tendo o esquecimento como destino literário. Tristão de
Athayde referiu-se certa feita a autores medíocres de livros famosos que por um
momento brilham como estrelas cadentes (a imagem é minha) e de repente
mergulham em total e absoluto esquecimento. E cita entre outros os casos de
Wendell Wilkie, político norte-americano que se opôs a Roosewelt numa de suas
eleições presidenciais e autor do livro de sensação Um Mundo Só, e a
Axel Munthe, com a sua obra O Livro de San Michelle, que também causou
sensação ao aparecer.
Camus foi um desses monstros sagrados. Argelino, engajando-se na
Resistência Francesa ao tempo da Segunda Guerra Mundial, junta-se a Sartre e a
outros companheiros da esquerda francesa, através do jornal O Combate,
após uma rápida passagem pelo Partido Comunista que era, naquela fase, uma
espécie de batismo de fogo da intelectualidade de esquerda européia.
Além da Resistência, também se aproximou de Sartre, com quem depois
romperia, como ocorreu com o filósofo Merleau-Ponty, pelo mesmo motivo, a
discordância política, expondo suas idéias filosóficas no livro O Mito de
Sísifo, ensaio sobre o absurdo, através das quais se identifica como Sartre
de O Ser e o Nada. Nele expõe sua filosofia do absurdo, originária da
antionomia entre o homem e sua situação irracional no mundo, da qual somente se
liberta pelo conhecimento e pela razão.
Seu estudo famoso O Homem Revoltado, publicado em 1951, ensaio
político em que expressa sua paixão pela revolta permanente como expressão de
uma honestidade desesperada, é erroneamente recebido como profissão de fé
direitista e anti-revolucionária que o leva ao rompimento com seu velho amigo
Sartre, como já foi dito.
Foi Camus também um entusiasta do teatro de que resultaram suas obras
originais O Malentendido que juntamente com O Estrangeiro enfeixa
suas idéias filosóficas expressas no ensaio O Mito de Sísifo, Calígula
e O Estado de Sítio. Foi também um adaptador de autores famosos como
Calderón de la Barca, Lope de Veja e ainda Faulkner e Dostoievski, com
adaptações bem sucedidas.
De sua obra de romancista se destacam O Estrangeiro, sua obra de
estréia literária e A Peste, sua obra-prima, cuja metáfora é a ocupação
alemã, que li numa tradução de Graciliano Ramos.
Há que referir ainda seu Diário, publicação póstuma e
praticamente ausente de sua fortuna crítica, mas aquela em que sua angústia
existencial se manifesta da forma mais dolorosa, com crises que o levam quase
ao suicídio, que seria no caso a negação de suas idéias, porquanto significa
uma das formas de evasão descartadas de seu ideário, pois que representariam a
supressão da consciência.
Em
1957 recebe a consagração máxima ao ser-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura,
e falece três anos depois em um desastre de automóvel.
Josué Montello, em sua obra diarística Diário da Noite Iluminada,
refere uma passagem do livro por ele considerado magistral, de Lottman, sobre
Albert Camus, que punge, “à revelia da glória literária que a vida proporciona
ao romancista.”
“Para mim, continua o autor de A Noite sobre Alcântara, que o conheci no
Rio de Janeiro, associada à admiração por seus romances, o fecho do livro de
Herbert R. Lottman quase me fez chorar: ‘O visitante que, hoje, penetra no
cemitério, em Loumarin, encontra um túmulo quebrado, coberto por espessa moita
de alecrim; a lápide,com o nome e a datas de Camus, parece velha de vários
séculos. Alguém por vezes deixa ali uma cruz – freqüentemente muito simples,
tirada de um túmulo. No entanto, pelo menos uma vez, deixaram sobre a lápide
uma grande cruz de pedra, retirada de algum túmulo em ruína.”
E conclui:
“Camus morreu em 1960, num desastre de automóvel, e seu biógrafo lhe viu
o túmulo, quinze anos depois. Três lustros apenas. E já estava esquecido pelos
parentes e amigos. (Ob. cit. p.457)