M. Paulo Nunes
Em minhas constantes releituras da
prosa memorialística de Josué Montello, que considero também, ao lado do
romance e de sua ensaística, o aspecto mais relevante de sua literatura,
deparei-me há pouco, em nota de 2 de abril (1976), de seu Diário do Entardecer – (1967
– 1977) com uma bela página sobre o escritor Nilo Bruzzi, figura pouco
lembrada na história da literatura, mas muito festejada, durante algum tempo,
em nossa vida literária, pela sua presença constante em jornais e revistas
literárias, como Para Todos, O Malho e
Fonfon, todos hoje de saudosa memória.
Pertenceu
ele à geração que antecedera o Modernismo e admirava figuras como Hermes
Fontes, Tasso da Silveira e Andrade Murici, sendo, além do mais, devoto de
poetas como Bilac, Alberto de Oliveira e
Raimundo Correia, a bendita trindade do parnasianismo, ou seja, como nos diz o autor de Os
Tambores de São Luís, de poetas que sabiam rimar e compor um soneto.
Esta
simpática figura é por nosso autor retratada, no início daquela nota, como “todo
de branco, colete, relógio de corrente de ouro, flor na lapela, com a elegância
de almofadinha de outrora a que faltasse apenas a bengala e o chapéu de palha”
e no fim da tarde entrou pelo gabinete do então diretor da Biblioteca Nacional,
com as mãos à altura dos ombros para dizer-lhe:
“_
Diretor, meus parabéns. Sua biblioteca tem tudo quanto eu precisava para meu
trabalho. Vim aqui agradecer.”
Discorreu
a seguir sobre suas pesquisas em torno da vida e da obra de Casimiro de Abreu,
que considerava poeta único, o seu poeta genial.
Acrescenta
o autor de Os Degraus do Paraíso que,
no domingo seguinte, em casa do escritor Múcio Leão, onde ia com frequência, este,
ao entrar, lhe perguntou se ele conhecia Nilo Bruzzi. Só então pôde associar o
nome à pessoa.
Passou
então a olhá-lo com outros olhos, associando-o às figuras que, ainda em São
Luís, lia naquelas revistas ao lado de Pereira da Silva, de Da Costa e Silva,
de Álvaro Moreira. Era aquele?
E
assim que pôde falar-lhe, abrindo-lhe uma pausa no seu vasto saber sobre Casimiro
de Abreu, recitou-lhe este soneto:
“No
turbilhão da vida cotidiana, / há sempre um rosto oculto de mulher./ Há no tumulto da existência humana / alguém que a gente quis e ainda quer./
Mas, numa
febre de paixão insana, / cego e humilhado, aceita outra qualquer. / Só, sem
íntimo ardor; de alma profana, / porque a alma nunca acordará sequer./
E vão
passando assim, uma por uma, / mulheres e mulheres, como vieram, / sem
despertar depois saudade alguma./
Pobre de
quem, como eu, vê que, infeliz, / teve todas aquelas que o quiseram / mas nunca
teve aquela que ele quis.”
Nilo o
abraçou comovido e lhe disse:
“_ E eu
pensava que você não gostava de minha poesia.”
A
nota melancólica fica por conta do autor de A
Noite sobre Alcântara.
“Isto
se passou há 25 anos.
Ficamos
amigos. Velhos amigos. Depois, como a vida sempre separa cada um de nós, seguiu
o seu caminho, até que ontem, na Academia, Mauro Mota pediu a palavra para
recitar o mesmo soneto, com a sua autoridade de grande poeta. Quando terminou
de recitar, deu-nos a notícia de que Nilo Bruzzi, alguns dias antes, aqui no
Rio, se retirara da vida sem ruído, como se saísse deste mundo pisando de leve,
para não incomodar.” (Ob. cit., pp. 733-4).