M. Paulo Nunes
Já
tratamos do assunto nesta coluna, vem ele agora à baila a propósito da nomeação
da artista Ana Holanda para o cargo de ministra da Cultura do novo governo.
Tenta-se relacionar maldosamente o ato
com a defesa dos interesses profissionais e financeiros do compositor e
romancista Chico Buarque, em virtude da relação íntima de parentesco entre os
dois, o que me parece improvável.
Quem abordou da questão, com a maior
relevância, nas letras francesas, foi o filósofo Raymond Aron, no estudo a que
intitulou O ópio dos Intelectuais, em
que focaliza a sedução dos intelectuais pelo pensamento de esquerda. O mesmo
faria o filósofo Norberto Bobbio, em seu livro marcante, e mais recente, Os Intelectuais e o Poder.
Esses autores aqui lembrados “a vol
d’oiseau”, apenas complementaram o que o fizeram antes deles duas grandes
figuras literárias, um, da “belle époque”, o francês Julian Benda, em seu livro
marcante, La Trahison des Clercs, e o
norteamericano Archibald Mac Leish, em seu livro, Os Irresponsáveis, este, em nosso dias.
Segundo o primeiro deles, Benda, o
intelectual e o artista, na condição de “clérigo”, deverá manter-se íntegro,
dedicado por inteiro à sua arte, não deixando permeá-la pelos problemas de seu
tempo. Enquanto, para o segundo, o intelectual ou o artista, como cidadão participante
que também o é, não pode fugir ao debate dos problemas sociais de seu tempo.
O caso mais edificante em relação ao
tema se relaciona com a discussão entre Sartre e Merleau-Ponty, explicitada na
famosa correspondência entre os dois filósofos do existencialismo contemporâneo,
mantida inédita até a morte dos dois, a de Merleau ocorrida em 1961, e a de
Sartre, somente em 1984.
A Folha
de São Paulo, em seu suplemento Mais!,
já desaparecido, de 14 de agosto de 1994, publica aquela famosa
correspondência, até há pouco inédita, constante de duas cartas de Sartre e de uma, de Merleau-Ponty, da qual resumimos
aqui os tópicos mais salientes.
O cerne da discussão se situa no
envolvimento cada vez mais crescente de Sartre na discussão política, relegando
a segundo plano as preocupações de seu “cogito”
filosófico, do qual se sentia de certa forma indissociado o autor de Fenomenologia da Percepção.
Sartre chega ao ponto de dizer que a
obra dos primeiros tempos de sua atitude filosofante – O Ser e o Nada, deveria ser deixada inteiramente de lado, pois o
que lhe importava, acima de tudo, era a solução imediata dos problemas
decorrentes da “guerra fria”, posicionando-se ele, deliberadamente e sem maior
vexame, ao lado dos comunistas, o que
para Merleau-Ponty parecia absurdo, sobretudo após sua lição no Colégio
de França, em 1953, quando critica abertamente o autor de O Existencialismo é um Humanismo.
Referindo-se àquela aula inaugural
antes mencionada, Sartre afirma que Merleau-Ponty possui uma concepção da
filosofia que só aparentemente permitiu conciliá-la com a política, mas,
realmente, torna impossível “jogar nos
dois tabuleiros”. A política, segundo ele, é ação fundada numa escolha
objetiva, a partir dos dados e fatos disponíveis. Se a filosofia for, como
pretende Merleau-Ponty, a exigência de, antes de escolher, colocar-se num
distanciamento que permite apreender totalidades parciais e não os fatos
isolados que formam nossa experiência cotidiana, então, para o autor de Sursis, “um filósofo de hoje não pode tomar uma atitude política”.
Quanto à afirmação de Sartre de que
Merleau adotava em face da política uma “atitude
sonhadora”, responde este: “eu teria renunciado
à política, por haver escolhido a filosofia, à semelhança de alguém que, entre
várias profissões, escolheu a de alpinista”.
Não vamos pinçar mais nada desse debate
interessante, mas, aparentemente, interminável, apenas para significar-lhe a importância no quadro
tumultuado dos dias atuais. A discussão continua.