M. Paulo Nunes
Sábado passado foi dia de
festa em nossa Academia. Ao chegarmos ali para a sessão ordinária semanal,
deparamo-nos com a presença contagiante de alunos e alunas da Escola Municipal
Lídia Ribeiro, do novo município de Nazária, que após visitar a Casa e suas
dependências, como a Biblioteca e o Auditório, fizeram também questão de
participar da reunião acadêmica, em companhia de seus professores. Motivado por
este fato inusitado, fiz ali uma breve palestra, de improviso, sobre Alexandre
Herculano, cujo bicentenário de nascimento, em março deste ano, ocorreu-me de
pronto à lembrança, conforme resumo a seguir.
Há poucos dias, o Instituto
Federal de Ciência e Tecnologia, por iniciativa dos professores do Departamento
de Língua Portuguesa, à frente o Prof. Hugo Lenes Menezes, realizou um
seminário, em homenagem àquele escritor, dos maiores da Literatura Portuguesa e
de seu tempo, contando ainda com a presença do ilustre mestre Paulo Franchetti,
da Universidade de Campinas – S. P., de quem assistimos notável abordagem sobre
o romance O Monge de Cister.
Alexandre Herculano de
Carvalho e Araújo nasceu em Lisboa, em 28.03.1810 e faleceu em Val-de-Lobos
(Santarém) em 13.05.1877.
Renovador dos estudos
históricos em Portugual, distinguiu-se, no gênero, com a sua obra fundamental História
de Portugal, em quatro volumes, publicada de 1854 a 1853, que provocaria
grande celeuma entre o clero português, pelo fato de confrontar alguns temas
polêmicos consagrados pela historiografia oficial, como o daquele fato
lendário, segundo o qual teria Cristo aparecido ao rei Afonso Henriques na
famosa batalha de Ourique que irritaria o clero. Isto o levou a fazer sua
defesa, com a energia que lhe era notória, em alguns opúsculos como Eu e o
Clero, Solemnia Verba, e sobretudo um livro de vingança, Origem e
Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1854 – 1859), contando aquele
drama de horrores que decorreu da criação do sinistro tribunal na pátria de
Camões.
O romance histórico seria
iniciado em Portugal, no romantismo, por seu contemporâneo, Almeida Garrett,
com O Arco de Santana, que igualmente renovaria a poesia e o teatro, com
os poemas Camões e Dona Branca e as peças dramáticas Um Auto de
Gil Vicente, Frei Luis de Sousa e O Alfageme de
Santarém. Mas foi Herculano quem deu ao romance a dimensão maior com Eurico,
o Presbítero, O Monge de Cister e O Bobo e ainda as Lendas
e Narrativas, um dos livros mais belos daquela literatura e que eu
aconselharia aos leitores que o lessem, pelo menos uma vez, antes de morrer.
Não vamos comentá-los agora
que o tempo não comporta. Diria apenas que Eurico, o Presbítero, tão bem
analisado pelo ilustrado professor daquele Instituto, Hugo Lenes, que lhe
destacou o influxo da paixão amorosa e impossível que domina seus dois
protagonistas, Eurico, o Presbítero de Cartéia e Hermengarda. Quanto ao O
Monge de Cister, assinalaria ainda, como contribuição à renovação do
romance moderno, que entre nós tem início com Machado de Assis, o diálogo do
narrador com o leitor ou a leitora, como faz o mestre de Memórias Póstumas
de Brás Cubas, técnica com a qual se antecipa Herculano à criação do
romance moderno, conforme salientou em sua fala erudita e instigante o
Professor Paulo Franchetti.
Outro aspecto a destacar na
personalidade de Herculano é o seu espírito público e seu compromisso com os
ideais de liberdade, o que o levaria, primeiro, a exilar-se na França em razão
de opor-se ao absolutismo de D. Miguel e a alistar-se, em 1832, nas hostes de
D. Pedro IV (Dom Pedro I do Brasil), na campanha da reconquista do trono
português usurpado por aquele rei, batendo-se em várias ações militares,
notadamente no cerco do Porto, cuja biblioteca foi por ele organizada durante o
cerco daquela cidade, e da qual se tornaria conservador. Nomeado, após a
restauração do trono, na pessoa da Rainha D. Maria II, filha de D. Pedro, para
a direção da Biblioteca da Ajuda, dali sairia por uma revolução palaciana, de
caráter demagógico, cujos propósitos políticos de que discordara, vinham
contrariar seus ideais de liberdade.
Sua obra de historiador se
enriqueceria mais ainda como o aparecimento da coleção intitulada Portugaliae
Monumenta Histórica, com a qual trouxe à luz documentos da maior importância
para a história portuguesa.
Desgostoso com a vida pública,
recolheu-se à sua quinta de Val-de-Lobos, praticando a agricultura até morrer,
dez anos depois.