Inicial   O Conselho   Sessões   Publicações   Revistas   Fale Conosco
 

Notícia

Publicação de Cristovam Buarque
24/04/2012 20:03



Por Cristovam Buarque

Quando aqui chegaram, os portugueses traziam bugigangas para oferecer aos índios. Desde então, toda a história do Brasil é uma história de esmolas dos poderosos para os humildes.

Enquanto os matavam, distribuíam esmolas aos nossos índios. Até a maneira de convertê-los não era integral. Passavam-lhes pedaços da Bíblia para que eles pudessem entender. Aos nossos escravos davam senzalas as quais chamavam de casas. Comida, o que sobrava da cozinha.

A independência foi feita em esmola: no lugar de uma presidente brasileiro, eleito por nosso povo, escolhemos um imperado, filho do rei da metrópole. A libertação dos escravos foi incompleta como uma esmola. Não distribuíram terra, não colocaram seus filhos na escola. Deram-lhe uma esmola de liberdade.

 Nossa República foi proclamada, mas insuficiente como uma esmola, Uma república proclamada, mas não construída. Porque, para proclamá-la, bastou um marechal, em cima do cavalo, com sua espada, em um dia de novembro no Rio de Janeiro, mas, para construí-la, precisa-se de milhões de professores em dezenas de milhares de escolas espalhadas por todo o território, durante muitas décadas.

Fizemos o desenvolvimento deixando para o povo apenas pequenas esmolas do que sobrava da produção que ia para os ricos. Todo nosso desenvolvimento deixando para o povo apenas pequenas esmolas do que sobrava da produção que ia para os ricos. Todo nosso desenvolvimento econômico ocorreu prometendo aos pobres do Brasil que eles ficariam ricos recebendo os míseros salários para trabalhar em indústrias que atendiam a demanda dos que tinham dinheiro, no lugar de colocar os trabalhadores produzindo para atender suas necessidades.

Durante cem anos, o Brasil teve uma das economias mais dinâmicas de todo o mundo e muito pouco dessa riqueza produzida chegou ao nosso povo. Apenas esmolas do que sobrava iam para ele, sob a forma de educação para seus filhos, saúde, habitação para suas famílias e renda para todos eles. O resto foi para criar a infra-estrutura de uma economia concentradora de renda, produzir os produtos para uma minoria da mais alta renda.

Ao longo de toda a primeira república, nossa democracia deixava ao povo apenas esmola de participação. Quando o povo começo a gostar do voto, a escolher candidatos que ameaçavam os privilégios e, no lugar de esmolas,se propunham a fazer reformas sociais, a elite brasileira suspendeu a esmola  de democracia e impôs uma ditadura.  Como para dar um exemplo de que ela era a dona do poder e escolhia a parte que queria dar para a esmola de democracia. O regime militar escolhia os partidos, escolhia os políticos, definia todos os detalhes do que poderia ser distribuído como direito ao voto.

A redemocratização que todos esperavam poder funcionar como volta de mudanças sociais, incorporando o longamente esperado acesso de todos aos direitos básicos, também veio sem as necessárias mudanças na vida. Foi uma redemocratização em esmolas, porque não trouxe ainda saúde para povo, escolas suficientes e suficientemente boas para todos. Manteve o Brasil como o campeão mundial da injustiça e da concentração da renda.
 Depois de um ano de discussões, Brasil comemora o seu novo salário mínimo de nove reais por dia útil de trabalho, menos de dois centavos por minuto de trabalho, menos do que recebe de esmolas um pedinte em uma esquina movimentada. Em um país com renda nacional de quase um trilhão de reais, apenas esmola chega sob a forma de salário mínimo aos que conseguem um emprego formal.

A escola que damos à saúde que garantimos a aposentadoria que pagamos à renda, que geramos os produtos que fazemos à cultura que criamos a terra, que temos a infra-estrutura que usamos os governos que elegemos, os discursos que fazemos tudo fica concentrado para uns poucos e povo recebe em esmolas uma parte que sobra.

E, como vaidosos caridosos, comemoramos as pequenas doações que fazemos como óbulos. Comemoramos o novo salário mínimo, a redução no número de crianças fora da escola, um hospital isolado que inauguramos sem tomar o gesto real de incorporar nossas massas excluídas. Porque na cabeça do caridoso não está o gesto insano de levar todos os pedintes para sua própria mesa. É assim que tratamos os pobres, como excluídos esperando pequenos pedaços do que sobra de nosso modelo global de desenvolvimento.

E ficamos surpresos quando os jornais dizem que somos campeões de injustiça. Surpresos como os que distribuem esmolas e ouvem reclamações do pedinte.

Vinte anos depois da redemocratização, o povo brasileiro olha ao redor da pujante sociedade que foi construída e apenas pequenas esmolas recebe da globalização. A elite brasileira, que sempre deu esmolas, se surpreende que é como pedintes que o capital global trata todos os brasileiros, inclusive os ricos. Comemoramos, como uma glória divina, parte da nossa sociedade de ter acesso a produtos importados, como um pedinte que agradece aos céus pela esmola que lhe chega às mãos.

È uma história em esmolas que estamos construindo.

Cristovam Buarque, ex-governador do DF, é professor da UNB e presidente da ONG Missão Criança




Mais Notícias...
 
2326850
Acessos
 
Rua Treze de Maio, nº 1513/Sul – Vermelha - CEP 64018-285 Teresina-PI
Tel.: (86)3221.7083 FAX.: (86)3223.5577 CNPJ 01.742.710/0001-50

Criação, Desenvolvimento e Hospedagem