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UMA TEORIA DO ROMANCE – III
20/01/2011 00:10:44


M. Paulo Nunes*

 Retomamos agora o fio da meada de um tema já tratado anteriormente, em página de nossa imprensa, que diz de perto com a teoria literária: uma teoria do romance,  focando-o agora na figura do romancista inglês Charles Morgan,  de modo especial em seu livro ou em sua obra-prima, Sparkenbrooke. Hoje é ele autor  um tanto esquecido, como tantos outros, neste nosso tempo voraginoso. Já antes o fizemos em relação a Hemingway e André Malraux, representantes do chamado romance de ação ou romance espetáculo, como o denomina Vergílio Ferreira, e do chamado romance interior, aquele que propõe um problema ao leitor, de que nomeamos Gide como seu representante no romance moderno, de modo especial destacando seus livros: Os Moedeiros Falsos, segundo a tradução brasileira de Lés Faux-Monayeurs, e esta outra obra-prima, A Sinfonia Pastoral. Na mesma vertente, a do romance psicológico, poderiam ser alinhados autores como Proust, Joyce, Virgínia Woolf e o nosso Graciliano Ramos.

Para analisar essas obras teremos que partir do pressuposto de Saramago, ao ser-lhe pedida a definição do romance contemporâneo, quando utiliza uma expressão bastante feliz, ao considerá-la hoje em dia, não um gênero literário, como vem sendo estudado, “mas um oceano que receberia e onde de algum modo se unificariam as águas afluentes da poesia, do drama, da filosofia, das artes, das ciências...”(Diário de LanzaroteII, p. 212) Seria assim uma espécie de homerização do romance, segundo sua própria expressão. Idéia de resto coincidente com aquela que venho defendendo, desde as aulas do Liceu ou da Faculdade de Filosofia, ao considerar o romance a epopéia dos nossos dias.

Todo romancista vive a sua atmosfera, o clima dominante em sua época, isto constitui um truísmo que não seria necessário repetir aqui. Na Europa, a literatura refletiu sucessivamente a época cartesiana, a época kantiana, a época hegeliana, a época nietzschiana, a época marxista, segundo a interpretação de um crítico de renome, Álvaro Lins, em estudo contido em sua obra O Relógio e o Quadrante. (Civilização Brasileira- 1964)

A literatura de hoje, segundo ainda o mesmo autor, acha-se dominada pela filosofia bergsoniana ou pela atmosfera marxista. A ela acrescentaríamos a atmosfera freudiana, criada pelas teorias de Freud, tendo por base os estudos do inconsciente e do subsconsciente, através da psicanálise.

Enquanto um Proust, um Joyce, uma Virgínia Woolf, por exemplo, podem ser citados como romancistas que refletem a atmosfera ou o clima da época bergsoniana, Charles Morgan, ao contrário, se colocou em sua obra talvez única e original “para além desta harmonia entre a filosofia e a arte, dentro de sua época, “indo encontrar em Platão o seu filósofo e tornando-se um autêntico romancista platônico. Talvez haja contribuído para isto a circunstância de ser o filósofo grego bastante estudado nas universidades inglesas que freqüentou, inclusive, Oxford, na linha do raciocínio daquele crítico eminente.

Encontra-se talvez aí a   diferença ou o desencontro entre a filosofia das obras de nosso tempo e a dos livros de Charles Morgan, de modo especial Sparkenbrooke, uma vez que os dois anteriores, Retrato no Espelho e A Fonte, constituem preparação para seu livro posterior, publicado em 1936 e entre nós traduzido pela Liv. do Globo, em 1943, uma vez que seu livro A Viagem, também por nós lido ao mesmo tempo, está um pouco fora dessa conceituação, ou seja,  a do romance platônico.

É claro que esse clima ou atmosfera platônicos não surge por acaso na história da literatura. Já o soneto de Petrarca, no renascimento italiano, que tanto brilho trouxe àquela poesia, ao celebrar a mulher amada como “pura entelechia”, já o fizera muito antes, levando esta visão inclusive a Camões, que largamente o imitou,  em sua obra lírica. Passaria, assim, o imenso vate, de imitador do soneto petrarqueano a criador do soneto camoniano, também eivado de platonismo, com larga tradição na literatura de língua portuguesa, onde criaria inúmeros seguidores ao longo de sua história. Aqueles que se aproximam de Platão não o fazem por meio da ação, nem por meio da razão, mas pela imaginação que os levam ao cerne das idéias essenciais, que constituem, estas sim, a gênese da filosofia do autor dos Diálogos.

Este é um livro incomum, porque focaliza a vida de um homem extraordinário, embora a sua vida e a sua experiência existencial nada contenham de excepcional.

Alguns críticos pretendem que o autor quisesse retratar a vida de Byron, outros a de Shelley (há de fato a transcrição de vários poemas de Shelley, no livro). Mas, não é nada disso. O que ele de fato recompõe é a vida de um personagem extraordinário e, portanto, genial.

Seria esta, como é bem de ver, uma nova teoria do romance, fora um pouco dos quadros que a vimos considerando nos estudos anteriores.

Charles Langbridge Morgan, nascido em Bromeley, no condado do Kent, em 1894,  vem a  falecer em Londres, em 1958.

Tendo servido na Marinha Real Britânica, dela se afasta, em 1917, a ela retornando temporariamente na guerra de 1914, e participa da malograda expedição a Antuérpia, tendo sido internado na Holanda, para assim evitar a prisão dos alemães. É a partir daí que realiza a sua viagem literária até o romance Sparkenbrooke,  e a internação lhe fornece o cenário de seu segundo e belo romance A Fonte,  publicado em 1932.

Despede-se de suas lembranças da Marinha com The Gunroom, que o Almirantado recolheu, adquirindo todos os exemplares postos à venda.

Este o sumário perfil do ideário de um dos maiores romancistas de nosso tempo, hoje quase que inteiramente desconhecido, porquanto nem as histórias literárias sequer fazem o registro de sua passagem.

(Resumo da palestra proferida no último sábado, na Academia)

 

 

*(Ex-presidente da Academia Piauiense de Letras)




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